Esse blog tem por objetivo mostrar e pensar o que se está produzindo como cultura hoje, aqui do lado. E, estamos emputecidos. Por que o Brasil ainda não está entre os maiores centros intelectuais do mundo? Tradição? Falta disso, daquilo? Besteira... É falta do FAZER. Precisamos fazer em primeiro lugar, e fazer bem feito. O QUE ESTAMOS FAZENDO AGORA?
Quando um rio corta, corta-se de vez o discurso-rio de água que ele fazia; cortado, a água se quebra em pedaços, em poços de água, em água paralítica. Em situação de poço, a água equivale a uma palavra em situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma, e porque assim estanque, estancada; e mais: porque assim estancada, muda e muda porque com nenhuma comunica, porque cortou-se a sintaxe desse rio, o fio de água por que ele discorria. O curso de um rio, seu discurso-rio, chega raramente a se reatar de vez; um rio precisa de muito fio de água para refazer o fio antigo que o fez. Salvo a grandiloqüência de uma cheia lhe impondo interina outra linguagem, um rio precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases curtas, então frase e frase, até a sentença-rio do discurso único em que se tem voz a seca ele combate.
João Cabral de Melo Neto. In: A educação pela pedra.
Filme de Hilan Bensusan e Teresa Labarère com Luciana Ferreira, Hilan Bensusan, Ingrid Barros (na Pachamama), Artur Marques e Pachamama. Som: Luis Fernando Suffiati.
"Como notado,
não permanecemos no Norte por muito. Era preciso o seco inverno do planalto. Um
dia, saímos eu e Dionísio, do mesmo modo que eu chegara. E sabíamos bem quando
estivéssemos lá. O céu de peculiaridade incomum, às vezes qual uma tela
expressionista, outras impressionista; variando de acordo com a intensidade dos
sopros que se dava às nuvens. A luminosidade extremamente ameaçadora, capaz de
impedir a própria leitura desta página ao refleti-la diante do auge do
Astro. E, pela frustração de não ter
alcançado minha meta; acorri a Simoni, que me apresentou o dito local, em meio
a uma das regiões de, ainda, maior biodiversidade do orbe – o cerrado. A maior
parte dele, como eu, escondida no subterrâneo – a floresta enterrada, raízes e
aquíferos a abastecer a América do Sul, a distribuir qual uma aorta fincada no
âmago do Austro. –"
(Metamorfoses na Jugular Petrificada, Interlúdio, Parte IV)
“Como se o mundo tivesse posto em risco todos os seus valores”
Por uma ocasião que me aconteceu um dia desses, me impulsionei a divulgar esse vídeo, no qual a Marilena Chauí participa da mesma mesa de debates que Vladimir Safatle - publicado anteriormente aqui por Igor Caribé. Esse debate ocorreu dia 28/08, analisando a situação político-social em que se encontra São Paulo e, de uma maneira geral, o Brasil.
A situação que me ocorreu também foi uma situação de trânsito. Em um sábado passado, eu e minha namorada no meu carro, conduzi até um cruzamento, aqui perto de casa. Eu vinha de uma rua lateral que dá acesso ao semáforo do cruzamento. Semáforo fechado, esperei que algum daqueles motoristas na minha frente me dessem passagem para chegar a essa pista principal, a do cruzamento, quando o semáforo abrisse. Pois bem, o semáforo abriu deixando um espaço até grande para que eu entrasse, bem antes de um determinado carro. Este, era conduzido por um também rapaz ao lado de sua namorada. Dirigia seu carrinho importado, com ar de poder, e eu cá com meu "nacional econômico" como dizem por aí. Entrei tranquilamente na via, claro, dado o espaço. E o sujeito, não satisfeito com isso, veio me ultrapassar pela esquerda na frente - não sei como - dos carros da segunda faixa, eu desviei e até subi um pouco no canteiro. Para completar, ultrapassou, entrou na minha frente e virou à direita no cruzamento, eu segui direto.
É difícil ilustrar o acontecimento com essas referências, mas a questão se desenrola de maneira semelhante à situação descrita pela Marilena. O referido sujeito se sentindo na preferência e na antecedência a qualquer custo, por estar em um carro - signo - que lhe dava, em sua cabeça, status; agiu de acordo com o que lhe era devido. "Oras, não vou ficar para trás de um sujeito de menor status". E resolveu mostrar para sua namorada que era assim mesmo. Com toda sua imprudência, poderia ter batido em pelo menos dois carros, mas vejo que não importaria, dado seu "meio social" proporcionar esse tipo de comportamento.
De resto, vejam a leitura maravilhosa e violenta dessa pensadora brasileira.
"O meu direito de cidadão é antes de mais nada o meu direito fundamental de consumidor." (Safatle)
I.L.C.
A irônica frase, proferida por Vladimir Safatle durante a palestra "A ascensão conservadora em São Paulo" - realizada por iniciativa do "Coletivo dos Estudantes em Defesa da Educação Pública", nesse dia 28 de agosto na Faculdade de Ciências Sociais da USP -, expressa bem o paradigma da despolitização do pensamento atual brasileiro sobre o que é a política, por princípio uma prática concernente ao âmbito público, portanto avessa a privatismos. Aliás, a frase, se retirada de seu contexto, poderia levar às mais nefastas confusões. Contra qualquer interpretação unilateralmente subjetiva, o próprio título da palestra já em si nos convida para uma reflexão crítica, da ordem do que é o contemporâneo, de modo a dar-nos as bases do que está em jogo. Veicula um importante diagnóstico de época que, por mais que indique uma abordagem restrita ao Estado de São Paulo, na verdade insere-se num cenário um tanto maior que lhe da suporte, não só nacional como de ordem global. Mas o êxito do título não está tanto na visão de conjunto que lhe condiciona, que uns até poderiam dizer ausente, mas está no movimento que carrega consigo. Apresentando não meramente um fato sociológico, que alguns positivistas talvez pretendessem mensurar de modo quantitativo, afim de atestar ou não tal diagnóstico da "ascensão", o título, de modo diverso, pra não dizer contrário, expressa um fenômeno cuja realdade é dinâmica, agora, acontecendo. Somente uma leitura com os pés no chão é capaz de tal olhar.
Que diagnóstico de época é esse no qual insere-se a ideia básica da palestra? é a de que há em curso um avanço difuso de certo "orgulho reacionário". Não é que a direita nunca tivesse dado as caras antes, o que seria um absurdo do ponto de vista histórico tal que, em todas as épocas, o conservadorismo sempre foi figura componente central da luta pela emancipação coletiva; claro que, sob a égide do mantenedor da ordem vigente, como bem expressa a noção de "conservar". Em outras palavas, faz parte indissociável da luta por justiça social a figura do oponente que, justamente quando inexistir será enterrado juntamente com as mazelas que acarreta e conserva, porque delas se beneficia. A esta visão dual chama-se luta de classes. Todavia, esta presença no cenário político do conservadorismo nem sempre se faz de maneira tão explícita. Penso que nesta hora seja o momento de radicalizar o termo, passando a designação de conservador para reacionário. A reação é justamente a expressão de um espírito contra-revolucionário que se apresenta, se manifesta como claramente um jogador interessado, mas não só, também como sendo o próprio jogo e portanto as próprias regras. A direita representa o discurso e a prática hegemônica, como bem salientou em sua fala a também presente na mesa Marilena Chauí. O que passa a ser possível observar quando a direita assume seu papel neste teatro pós-dramático que nos engloba a todos é uma sistemática torção de conceitos de sua parte, um palavreado vazio que visa, pela distorção formal da linguagem, conectar elementos díspares, ou melhor, antagônicos. É o caso de expressões como "capitalismo humanitário", ou "natureza humana (em geral, para eles, egoísta)". Ou seja, trata-se de uma emulação com fins de dissimulação. Pois é este o espírito atual do oponente, cercado de todos os lados pela catástrofe social que vem desenvolvendo e que cada vez mais lhe aparece como sua própria nêmesis, para usar de uma expressão de David Harvey em discurso sobre os acontecimentos de Wall Street (Cf. Os rebeldes na rua). As trincheiras estão sendo montadas com os destroços que lhe motivam, semelhante à ira de um leão que para dar o bote recolhe-se e então avança, para usar uma expressão de Marx sobre a vergonha que sentia por sua pátria e que ao mesmo tempo e por isso mesmo lhe servia de força para continuar lutando. Vivemos, como Hegel via seu próprio tempo à altura da redação da Fenomenologia do Espírito, sob o signo do negativo, em tempos de franca transição... precisamos saber disso. A diferença é que à época de Hegel o que surgia à sua frente eram as promessas de uma civilização no elemento do Esclarecimento, cuja modernidade que consigo engendrava apontava para a realização da razão no Estado. Ao contrário, até mesmo do que esperava Hegel - talvez por ranços românticos mas, se não, ao menos por uma nostalgia do ethos único que caracterizou a nascimento da política na pólis ateniense -, a modernidade consolidou não a razão no, mas sim a razão de Estado. O mesmo padrão despótico contra o qual voltaram-se os burgueses insurgentes tornar-se-ia em suas mãos recém apoderadas a medida da política, uma não política porque de privilégios, um Estado de socialismo exclusivamente para os ricos. São tais privilégios, mais do que nunca inflados conforme a própria lógica da economia que lhes sustenta, o que agora está ameaçado de explosão. Entretanto, não se trata mais da luta do direito contra o privilégio, mas sim da justiça contra o direito que falhou em sua missão emancipatória.
Neste horizonte de fundo, em mesa chamada por Ricardo Musse os palestrantes Vladimir Safatle, André Singer e Marilena Chauí teceram suas considerações. Abordando cada um um prisma do problema do conservadorismo, oferecem ao público importantes momentos deste todo comum. Fiquemos com a palestra do Safatle. Ele orienta-se pelo que chamou de "conservadorismo filho bastardo do lulismo" que, tendo sido o "lulismo" caracterizado como o resultado da união de três fatores, a saber, em suas palavras, "a consolidação de uma política heteróclita de alianças, a criação de um sistema de larga escala de assistência social e de ampliação real do salário mínimo com uma integração social pela ampliação do processo de consumo", teria gerado uma nova classe no entanto desfavorável ao dito lulismo. Entende uma diferença entre esta nova configuração assumida por tais novos agentes e o que chamou de "conservadorismo orgânico", de tipo já imanente às relações sociais em sua história de desenvolvimento. Em outras palavras, a ascensão reacionária recente, somando forças com o conservadorismo já atuante e de classe distinta, explica-se em grande medida pelos desenvolvimentos sociais postos em prática pelo governo do PT que, gerando uma "nova classe média", todavia a mesma voltou-se contra a própria política que lhes subsidiou.
Quatro são as razões elencadas: primeiramente um típico conservadorismo dos costumes; em segundo lugar, um anti intelectualismo na política; em terceiro, uma naturalização da relação entre a igreja e o Estado, que com o aparecimento das igrejas evangélicas e pentecostais, cujo modelo fora desenvolvidas dos Estados Unidos, trouxeram junto a teologia da prosperidade. Quanto a isto, Safatle diz que desde os anos 60 da ditadura militar, por exemplo em cultos batistas, já pregava-se o anticomunismo. Um quarto elemento seria a paranoia securitária. Se pergunta: o que fazer com os conservadores dentro da base, que de papel secundário que tinham tornaram-se hoje atores principais? Ele mesmo responde que "conseguem surfar dentro da queda da hegemonia cultural da esquerda" (Cf. A perda da hegemonia). Então se pergunta: "quem melhor do que um defensor do consumidor para defender os anseios dessa nova classe", tendo sido surgida pelo aumento do poder de consumo da mesma. Contrapõe ao fato em questão uma hipótese, a de que a "nova classe média" fosse o resultado de intervenções por parte do Estado que tivesse investido em eixos estruturais como educação e saúde públicas, e não em paliativos que somente confortam melhor os rumos da exploração e opressão capitalistas. Se tivesse sido esse o caso, investimentos estruturais, tornado-os assim de qualidade, suprimir-se-ia então a necessidade vigente do serviço privado para satisfação das demandas da sociedade. A não necessidade de se procurar uma rede privada para sanar estas carências estruturais liberaria este dinheiro investido das despesas orçamentárias dos indivíduos e das famílias, resultando uma folga financeira análoga à do aumento salarial, que é no caso o acontecimento atual. Daí que conclui a frase com que abrimos esta resenha crítica, de que é compreensível que a "nova classe média" (ou melhor, para já adiantar a temática de Marilena Chauí, a nova classe financeiramente beneficiada, distinção que se faz valer na medida em que não incorpora por completo o conjunto de valores da classe média típica, carregando consigo uma identidade de gênese) pense algo como "o meu direito de cidadão é antes de mais nada o meu direito fundamental de consumo", posto que a realização de suas necessidades vem se dando pela via das mercadorias. O que se tem é a política sendo subsumida ao mercado. Atrelado à esse quadro privatista do que era para ser da ordem dos serviços públicos, se tem o recuo que a esquerda brasileira e em larga medida mundial passou nas últimas décadas. Quando a nova classe vê que aquilo que seria a proposta diferencial de um governo de esquerda, a saber, a publicização dos serviços fundamentais, como algo distante do horizonte esquerdista das pretensões partidárias, seria "racional" apoiar, podemos dizer, os candidatos S.A.C.*. Por fim, Safatle ressalta que o governo Dilma é o governo com menos intelectuais dos últimos 20 anos, e aponta para um "processo paulatino de divórcio [...] o que demonstra a baixa capacidade de produção de idéias [...], de expor ideias que tenham um mínimo de radicalidade, que possam criar um tipo de adesão e engajamento para pessoas que querem algum tipo de transformação estrutural". Eis seu diagnóstico final: se por um lado a esquerda vem perdendo hegemonia no discurso cultural, esvaziada de uma radicalidade possível ao longo das últimas décadas, de outro lado a ala conservadora que apoiou o lulismo aparece como oferecendo o melhor discurso político, que assimilando o ideário mercadológico da nova classe, desponta no horizonte eleitoral como os portadores de suas aspirações.
Para conferir os vídeos dos palestrantes, vão os links abaixo:
Que tal se nós dois vivêssemos Do jeito que nós quiséssemos Sem nada que aborrecesse-nos Que tal se tudo tivéssemos
Que tal se realizássemos Aquilo que nós sonhássemos Maçãs macias comêssemos Que tal se nós beijássemos
Que tal se nós dois dormíssemos Olho no olho acordássemos Que tal se nós felicíssimos Que tal se nós dois voássemos
Que tal se nós dois pudéssemos Aquilo que desejássemos Que tal se nós dois cantássemos Tocássemos e nós dois mesmos dançássemos
Que tal se nós dois partíssemos Que tal se a sós ficássemos Que tal se ao máximo amássemos Que tal se no céu morássemos
Que tal Que tal o impossível Que tal Que tal o impossível
&
"O poeta Zé da Luz, do início do século, escreveu uma poesia, porque disseram pra ele que, pra poder falar de amor era necessário um português correto, tal. Aí Zé da Luz escreveu uma poesia chamada Ai se Sêsse:"
"Itamar de Assumpção (Tietê, 13 de setembro de 1949 — São Paulo, 12 de junho de 2003) foi um compositor, cantor, instrumentista, arranjador e produtor musical brasileiro, que se destacou na cena independente e alternativa de São Paulo nos anos 1980 e 1990"