terça-feira, 20 de agosto de 2013

O Curso e o Discurso em Andriêi Tarkóvski

Solaris (1972) - 00.04.33h   

As algas ondulam com o vívido fluído da imberbe água, acompanhando a refração da luz e o discurso da corrente, que serpeia nu pelos verdes cabelos do rio. Acima, no leito, o meio circundante seduz o habitante do mundo - é a mãe primordial encarnada e enterrada em nós. Visto a omniabrangência da fluidez que nos perpassa, a sensualidade inescapável é a própria deixa do eterno-retorno. Dentre os humanos, o artista é aquele capaz de produzir e reproduzir os conteúdos da percepção em formas ou os conteúdos do mundo em formas da percepção, manipulando o mosto informe como demiurgo a sonhar com o sublime. Os mínimos componentes da natureza são importáveis, entrementes a memória na e da experiência não é quantificável, mas emoção, e o microcosmos está tão presente para o artista quanto o que se pode ver nesse planeta orgânico, ao qual nos intraconectamos. Esse perceber é também perspectiva e esse captar é também invectiva. Os silvos gramíneos, o sibilar das ondas nos seixos, a respiração do vento que inspira o poeta a arejar os pulmões dispõem uma sinfonia cósmica, sonante dissonante, pela qual se navega um caminho, uma normatividade compartilhada – a linguagem que pode ser acessada. Entretanto, essa mesma linguagem flutua, assim como o ordenamento, nesse caos que é jóia[1] e é terror, é deslumbre e assombro, onde o entendimento pode ser somente acordo temporário – é o defeito na tentativa de capturar a coisa no dito, de aprisionar com o conceito a multiplicidade, com a fotografia o movimento[2]
A Infância de Ivan (1962) – 00.04.17 h 
A incompreensão emerge no momento em que se é tragado pela torrente impetuosa da visada artística, daquela que pôde ir ao ínfero gélido da morte, bebendo oxigênio líquido, congelando os lábios, a boca, a garganta, os órgãos, a face inteira e revolver-se espasmódica num novo vir-a-ser; daquele que pôde atravessar um deserto esbranquiçado de neve, remoendo o próprio talento, vendo a barbárie quase a devorar os limites da unidade subjetiva;
Andrei Rubliov (1966) – 00.56.35 h 
daquele que deseja com o mais íntimo de si dar o gozo supremo, quando só apresenta o desespero da escolha no continuar a existir;
Stalker (1979) – 00.19.18 h 
daquele que foi lenha, brasas, cinzas e fogo,
O Espelho (1974) - 00.18.10 h  
foi lago, rio, mar e oceano,
Nostalgia (1983) – 01.18.05 h 
foi floresta e incêndio e consumiu a si mesmo.
O Sacrifício (1986) - 00.22.03 h 
  A obra resultante é morte e é parto, é um rebrotar de ser em plurisentidos.  Se há alguém que se pode dizer artista é aquele que com a vida pairando no abismo da dissolução, já teve, para manter sua arte, a temeridade do insistir[3].

[1] Ou κόσμος.
[2] Como na estranheza gerada em demonstrar com palavras aquilo que na imagem do cinema, por exemplo a de Solaris acima, é puro movimento (κίνησις ou κίνημα).
[3] Inspirado pela foto tirada de Solaris (1972), 00.04.33h, relacionada com as outras, que aparecem em outros filmes de Tarkóvski. Além dos sete filmes de Tarkóvski, tomou-se como base o documentário Directed by Andrei Tarkovsky (1988) de Michal Leszczylowski e as entrevistas, que aparecem como extras, da atriz Natalya Bondarchuk (Hari) e de alguns componentes da equipe técnica de Solaris.

Nenhum comentário: