sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Entre índios e gregos: em busca da Efetividade em um novo pensamento

Introdução
            Muito se diz sobre o indígena na antropologia e na sociologia, nada ou muito pouco é dito nos departamentos de filosofia nas universidades brasileiras. O tema da América Latina é espinhoso porque estuda-lo acarreta uma junção de problemas:
1.A certeza de ser um outsider no sistema acadêmico — o que per se é até prazeiroso — no entanto este fato vem acompanhado da certeza da falta de incentivo tanto financeiro quanto dos colegas acadêmicos —este último per se é até prazeroso —.
2.O não reconhecimento da américa latina e seu pensamento autentico esbarra diretamente com o material escasso, os livros velhos e pessoas desinformadas, o que é extremamente desagradável em possíveis debates.
            O problema da América Latina esbarra com o problema da emancipação juntamente com o problema de como entende-se a emancipação. Emancipação não é a “independência” formal junto a metrópole. Precisamos nos debruçar sobre nós, e desenvolver nossas categorias, não necessitamos ignorar a Europa, mas entender que nossa relação com ela é problemática: absorvemos grande parte de sua cultura — de modo forçado e não pacífico, como foi o aprendizado do idioma, as mudanças nos modos de vida aqui desenvolvidos, a matança das populações originárias etc —mas ao mesmo tempo ela gerou um genocídio dezenas, talvez centenas, talvez milhares de vezes que os que ela costuma chorar: os de Stalin e Hitler. É preciso pois, emancipar-se. Fazemos isso, por exemplo ao tentar compreender o índio? Talvez, de modo incompleto, pois entende-lo é coloca-lo nas categorias européias, mas e o esforço em sê-lo? A população brasileira permanece ignorante acerca da cultura indígena, bem como maior parte dos universitários. O índio é caricaturizado como uma criatura mística cuja cultura foi vencida e que, quando é fracamente ouvida pelo homem branco só o é devido a extrema bondade e piedade deste homem, porque este homem está, de alguma forma, abrindo um precedente a este povo místico.
            O objetivo deste escrito é elucidar que o estudo da cultura indígena pode revolucionar não só a antropologia, como já fez e faz de maneira bastante corrente, mas também outras áreas que a ela não deram ainda a devida atenção: a filosofia(ética, metafísica, estética, ontologia), a física, a História, a química, a astronomia, evidentemente a psicologia( quando pensamos na ideia de Leary, na terapia psicodélica), dentre outras. O estudo destas culturas pode até mesmo nos ajudar a criar novas categorias e ciências. Longe do trabalho meramente intelectual, este estudo é emancipador, não só porque pensa a emancipação, mas porque faz parte dela.

Capítulo 1 – A coisificação das coisas
“Na agonia de tantos pesadelos
Uma dor bruta puxa-me os cabelos.
Desperto. É tão vazia a minha vida!
No pensamento desconexo e falho
Trago as cartas confusas de um baralho
E um pedaço de cera derretida!

Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme.
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos ensanguento na vigília!
E observo, enquanto o horror me corta a fala,
O aspecto sepulcral da austera sala
E a impassibilidade da mobília”
Poema Negro, Augusto dos Anjos

Descartes entendia que o edifício do pensamento humano era demasiadamente barroco, com seus infinitos arabescos, e seus pontos escuros enraizados no mito, no misticismo e na tradição que ao invés de conferirem maior grandeza ao jogo estético do claro e escuro acabavam por legar-nos uma tradição em que, caso continuássemos a expandir nosso pensamento para cima construindo cada vez mais andares, usando os pavilhões estabelecidos pela tradição como base, poderíamos fazer com que esta gigantesca empresa do pensamento desmoronasse, ao não conseguir estabelecer nada de sólido, claro e distinto, em suma: não conseguiríamos fazer ciência. O pensador francês insistia na questão de que era necessário demolir este edifício duvidoso legado pela tradição e que “fossem postas abaixo todas as coisas, todas as opiniões em que até então confiara, recomeçando dos primeiros fundamentos, se desejasse estabelecer em algum momento algo firme e permanente nas ciências”[1] .
Descartes descarta o desnecessário e, através dessa operação, pensa poder construir um edifício muito mais excelente pois muito mais firme e sólido através de seu método[2]. Com o avanço das meditações o pensador, através do método da dúvida e da radicalidade, vai excluindo, um a um, as fontes de conhecimento como os sentidos[3] ,o mundo externo, o próprio corpo,  até alcançar o cogito. O cogito é o núcleo duro que pode nos legar certezas, é o núcleo que é capaz de acessar o universal[4], e ainda elege a Aritmética e a Geometria como ciências que possuem algo certo e fora de dúvida diferentemente das ciências compostas como a Física, a Astronomia e a Medicina já que estas últimas se valem da experiência com o mundo duvidoso, ao passo que as primeiras poderiam ser elaboradas no solipcismo do cogito. O cogito cartesiano, então, após ser a base do pensamento, passa a recorrer a natureza não como ávido por contemplação, mas como aquele que exige da natureza respostas, como, aliás, bem quer Kant.
A racionalidade cartesiana e newtoniana são responsáveis por grande parte do desenvolvimento científico, técnico e industrial moderno, bem como são responsáveis ainda pela metafísica que sustenta grande parte dos discursos populares e até mesmo científicos até Einstein. Com a racionalidade técnica moderna a humanidade foi capaz de chegar a lugares e a fazer feitos que nunca sequer foram imaginados, a física contemporânea, sobretudo não possui razão para não ser chamada de magia, já que o discurso dominante (naturalmente possuímos lampejos contrários, desde Heidegger a Crowley, desde Huxley a alguns departamentos de humanas nas universidades do mundo afora) não vê impossibilidades nos grandes —e de fato grandes— feitos científico-capitalistas. Nos dias de hoje a massa configura-se como favorável ao progresso técnico da humanidade, sendo que os avanços do progresso configuram-se como as sazonais boas novas que todos aguardam para chocarem-se o quão pouco “civilizados” éramos antes da mais nova invenção que acabara de ser criada.
A racionalidade moderna, capaz de literalmente mover montanhas, de voar, após resolver o problema da pedra filosofal e transformar ferro em ouro (apesar do processo  ser mais caro que a extração deste ultimo) também configura o palco onde ocorrem as relações interpessoais mediadas por coisas, pelo valor de troca e pelo estranhamento do trabalho pelo próprio trabalhador: no processo da divisão do trabalho (inspirada pela sugestão do método cartesiano ‘o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las ‘)o sujeito sofre com a crescente especialização e fragmentação do processo de trabalho que também significa a fragmentação da própria subjetividade, o trabalho é redimensionado a um exercício mecânico e repetitivo, mesmo nas universidades a publicação compulsiva e maquinal de milhares de papers e mestrados insossos, onde quem os publica não sabe bem o porque, sendo que o próprio hábito de publicar tais textos não passa de um trabalho remunerado repetitivo feito por um assalariado, um proletário das ideias, em diversas universidades do pais e do mundo é a prova disto. O homem reificou-se, tornou-se coisa, uma coisa cartesiana, vale dizer, donde depreendemos a extensão e a forma, uma coisa newtoniana que podemos lançar no espaço e prever sua velocidade, uma coisa capitalista, que como qualquer coisa, pode transformar-se em mercadoria (a força de trabalho) e, como mercadoria, é passível de ser trocada por um valor abstrato que serve de referência nas transações comerciais modernas: o valor de troca.
Descendo aos porões do edifício do cógito encontramos ainda algo que passou desapercebido a filosofia europeia ou foi, de certo modo, deixada de lado. Quando diz-se que os homens se reificam, estamos já em uma dupla decadência: nem mesmo a coisa coisificada serve como coisa, a coisa coisificada coisifica o homem, transformando-o em uma mercadoria pelo que ele pode oferecer —  no caso do proletário —  sua força de trabalho, aí, então, se dá o apogeu da pobreza ontológica e metafísica da humanidade e esta face é, em linhas gerais, conhecida. A outra face da coisificação não o é, que é a coisificação das coisas.
Os relatos e as materialidades restantes do mundo antigo grego, o mundo pré-invasão da “américa latina”, o mundo oriental antigo,  os relatos que temos de tribos mais ou menos isoladas nas poucas florestas restantes pelo mundo afora aponta-nos para uma existência tão diversa que não nos parece somente um povo diverso ou uma cultura diversa existente em um espaço diferente, ou, ainda que um próximo múltiplo, o que parece-nos, se observarmos os relatos com atenção é que tais povos localizam-se em outra dimensão, em um outro mundo e um outro universo. Estes mundos são um desafio para a racionalização do intelectual “sério”, como este intelectual é extremamente grosseiro, encara-o como mito e estuda-o como mito, encara como se os índios carregassem palha sob suas cabeças. Florestas que falam, entidades que se manifestam, uma criação do universo fantástica, magia e meditação, transcendência e nirvana são, para a consciência moderna, não só impossibilidades, mas algo com as quais o “homem sério” contemporâneo sequer debruçar-se-ia respeitosamente sobre elas para que pudesse pensar: ele está muito ocupado ganhando dinheiro.
A natureza que fala é tida como pertencente a uma cultura vencida e superada. No entanto, ainda admiramo-nos sobremaneira com o modo de vida destes mesmos povos antigos “superados”, ao menos com os gregos, a cultura mainstream nutre profundo respeito e admiração: nem mesmo o proletário intelectual critica sem ressalvas o Fédon ou a Política de Aristóteles, a mitologia grega é tida como fonte de profunda e eterna inspiração, desde o mais antigo filosofo a Freud, Heidegger ao mais medíocre acadêmico. O Esclarecimento capitalista luta para compreender a complexa relação dos antigos com os deuses, e onde ele queda derrotado diz-se que não podemos ser anacrônicos, afinal de contas aqueles povos ainda estariam na época dos deuses e da natureza animada. O materialismo e a História (que será discutida mais adiante) não conseguem compreender o mundo destes povos não somente porque as categorias que lidavam eram outras, mas porque muito provavelmente eles lidavam com a menor parte de seu mundo. “Mas como se escavamos suas manifestações artísticas, lemos seus sábios, seus filósofos e seus sacerdotes? Como se nós somos o povo que veio deste povo? Como podemos ser tão pequenos e baixos próximos a grandeza e excelência, próximo a sua cosmologia e a cosmogonia de seus imensos mundos vivos e vívidos? Deve ser porque eles vivam em ilusão e nós descobrimos a verdade. Nós descobrimos o mundo pleno, morto e maquinal, o resto é ilusão” um especialista em qualquer coisa poderia se perguntar, ainda que tentando disfarçar seu excesso de bílis... De qualquer modo, sinto-me na obrigação de dizer que a cosmologia indígena é tão real e tão efetiva, a seu modo, quanto a lei geral da gravitação universal. Nossas categorias mais primárias estão tão colonizadas a ponto de impedirem de acedermos a qualquer cosmologia diferente da ciência moderna ou da filosofia europeia.
Não podemos salvar os modos de vida que foram perdidos e escondidos da humanidade, no entanto, podemos salvar parte das praticas e conhecimentos que eram centrais nestes modos de vida, tais praticas permitem não só um maior entendimento de como se dava a cosmologia destes povos, mas também como se dava sua ética, sua ontologia e sua metafísica, anacronicamente falando. Refiro-me a ayahuasca, o hicuri (peyote), os nonda, o teonanacatl empregado pelos astecas “a carne de Deus”, entre outros milhares que eu sou incapaz de enumerar, destacam-se já entre os mayas as pedras-cogumelo e, mais modernamente, a figura de Maria Sabina. Acalme-se leitor, teremos uma seção dedicada somente a isso. Por hora resta-me dizer que a História e as tentativas filosóficas de compreender o mundo indígena são infrutíferas não porque se inclinam de modo pouco cientifico ou inteligente sobre o que pensam ser o universo indígena, mas que se inclinam sobre a menor e menos importante parte dele.
Grande parte das tentativas antropológicas são infrutíferas não porque não se inclinam sobre a maior parte do mundo indígena, mas porque se negam a entender que a categoria que tenta “entender” o mundo indígena já é absurda. Resta, então, somente o mergulho neste mundo. Quantos homens seriam capazes, como no passado, de esquecerem-se do Homem para mergulharem no índio? Quantos proletários intelectuais de hoje esqueceriam sua língua nata? Nenhum, porque nenhum de fato mergulha nos índios, o que fazem é tentar entende-los. É dever do filosofo latino americano tornar-se ininteligível. O que persigo é o mergulho, o resto é masturbação intelectual.



















Capítulo 2 – Teses contra a História
            Por muito tempo, inclusive na filosofia clássica grega, na filosofia indiana, na filosofia chinesa  e na filosofia indígena, não havia o conceito de História. O que havia era um passado que confundia-se com o mito, um mito que se confundia com o passado, no entanto temos aqui as figuras que Hegel, por exemplo, dá grande destaque: Platão, Aristóteles, e , de modo mais tímido, os pré-socráticos. Após a ascendência das filosofias da História e da ação —levadas a cabo por hegelianos e marxistas— torna-se cada vez mais rarefeito o discurso ahistórico e a falácia de que a história está em tudo, de que é necessário “contextualizar” o autor em seu tempo toma lugar e, consequentemente, essa disciplina “científica” passa a dominar a filosofia com tal força que pensa-se ter superado a metafísica, pensa-se não numa descrição objetiva dos fatos, mas numa história onde todos podem adentrar em seu debate —naturalmente todos que possuem o logos greco-europeu — e que todos devem e são incluídos, mesmo que não queiram ou assim não compreendam.
            A História aproxima-se do mito ao tentar narrar e explicar o acontecimento ou o desenrolar dos fatos, no entanto (quem diria!) mostra-se mais limitada que os mitos ao tentar narrar a gênese dos fatos primevos e, ao tentar construir tais fatos, aproxima-se ainda mais do mito e da metafísica, que ela tentava, por ser “investigativa”, não metafísica e científica neste sentido, ridicularizar e rechaçar[5], destaca-se aí por ser o mito dos mitos pois, ao tentar “explicar” a gênese das coisas e falhar fragorosamente (posto que só consegue justificar no que é “dado”, tendo de apelar à metafísica não só para “contar” fatos, ou seja: para visualizar os “fatos”, o tempo[6], então escolher os “fatos” “importantes” em uma realidade múltipla, mas ao emprestar dinâmica e significado a eles, deve apelar a metafísica novamente[7]), transforma-se apenas em um grande compêndio de mitos que apresenta um mito principal que tenta “explicar”, ou contar todos os outros.  A própria dinâmica da História, seu movimento, sua evolução, de onde veio e para onde vai, sua tentativa tosca de concatenar “fatos”, sua “explicação” ou até mesmo seus “fatos” já são demasiadamente metafísicos e míticos, posto que estas “explicações” são pouco “científicas” a História seria mais limitada que os mitos, pois falha em seu intento de deles se distanciar. A História é muito mais uma justificação, uma racionalização do irracionalizável do que uma “explicação”, ela é personalização do mundo, assim como tudo que é cultural. Alegar a onipresença da História é apenas deslocar o “alfa e o ômega” às questões “não-metafísicas” pois tudo é passível de ser lido como presente, como estando-ali (Deus, tempo, metafísica, política, leis da natureza, o Ser, o Nada ,...) a partir do momento que o homem se externaliza para então se reconhecer,  visualiza a sua leitura “estando-no-mundo”, visualiza somente a si.  Porque acredita que a “verdade” ou a “realidade” brota diante dela, muitos apresentam a história como fundação de seu pensamento e a definem como realidade, sem discussão prévia, essa “realidade” que a História — aqui mito dos mitos — reclama para si é a mesma que a ciência reclama para si. Não são, portanto, os “fatos” isolados que ela persegue, assim como não são os átomos que a ciência procura, mas a relação entre eles, denunciando seu medo (e sendo isso também a origem dela) não só no que será, mas no que foi, seu medo de que as coisas não tenham o “sentido” humano, e quando digo “sentido humano” caio em óbvia redundância. Seu medo de não deixar nada fora dela, largado. Assim como a História é aquilo que justamente pretende tomar distância, também o “anjo da História” não é um anjo, é um demônio, se pensarmos em seus termos, ele distorce o criado, como uma nova religião ou, em sua concepção, o “distorcido”, tenta esclarecer figurando como mais do mesmo, a “emancipação” do mito que se entende como esclarecimento mas que continua mito. Este demônio também não é um demônio, não possui poderes, nem mesmo a onipresença, de anjo para demônio — como nossa época dessacraliza e mata todas as coisas... — este demônio é um homem.
            A perspectiva histórica apresentada para explicar a invasão da América do Sul, por exemplo, é uma ótima maneira de europeizar o entendimento latino americano do mundo, aos intelectuais que pretendem compreender os índios estudando principalmente história dou meu aceno! Enquanto estou em terra com índios “selvagens” fica difícil vê-los aproveitando a carona das caravelas de volta para a Europa. Neste ponto aquele que pretende absorver as categorias dos índios sem tentar compreendê-las (já que compreensão é algo histórico marcadamente europeu e tão absurdo quanto o não "compreender” e o viver indígena) mostra-se muito superior  àquele que pretende compará-las com a filosofia padrão européia. Isto soa mal, assim como um estrangeiro que procura as palavras de uma língua num dicionário de tradução ao invés de compreende-las como algo vivo. Que pretende entender a língua do outro a partir da sua língua.
            A menos que consideremos que sejam inatos, ou prévios o tempo, a ideia de causa e efeito, o que seja uma “causa” e o que seja um “efeito”, não temos razões para nos apegar a ou somente a perspectiva Histórica, ela é só mais uma metafísica assim como a serpente emplumada ou a cultura que brota e gera o ayahuasca. No entanto ela (a História, como categoria) pode ser frutífera, para apontar os dedos aos vândalos que vieram da Europa, aos vândalos culturais, para fazer filosofia ou para construir pontes, quem sabe. Uma indenização brutal seria o caso de ser aplicada à Europa, juntamente com a mudança de seus livros de História e dos nossos, que a América Latina fosse aceita como existente, e portanto, digna de ser estudada. Mas ainda estamos demasiadamente colonizados para isto.


















Capítulo 3 – A Consciência e a ebriedade como condição básica de pensamento
            O vazio e o nada são duas formas metafísicas que foram subestimadas em todo o ocidente em relação ao Ser. É sobre Ser que o grande Aristóteles trata e também o Ser é a matéria de pensamento de Heidegger, o filósofo da floresta negra. Não seria diferente com uma tradição ocidentalizada ao tocar na questão da consciência e da cognição.
O pescador megalomaníaco pensa que o céu azul é uma extensão inalcançável do mar (como também tudo o que “há”), se ele fosse rei, certamente mandaria erguer varas gigantes voltadas para o “mar de cima” para pescar os peixes brilhantes que saem de suas tocas à noite, ao invés de construir telescópios, logo, já que não conseguimos resolver o problema, por que não tentamos olhar na perspectiva do ar que imita o vazio e o nada ao invés da perspectiva da água que a quase tudo se molda e adapta e poderíamos aqui, chamar de Ser? Que complexa e maravilhosa questão! Minha mente é invadida por flashes de memorias, chego-me próximo ao telescópio e me lembro que já sonhei que fui um índio misterioso, com um passado totalmente diferente deste agora! Com um presente igualmente distinto e um futuro, vamos dizer, selvagem.  Acordei sobressaltado! Que sonho absurdo! Logo devo ocupar-me com as obrigações diárias, lembrei-me que havia dormido, e lembrei-me que, durante o sono havia me esquecido de minha vida atual. Oh mente! Por que me torturas com este sonho maravilhoso enquanto arrasta-me para esta vida medíocre? Será justamente por este propósito que te chamas ... ‘mente’? Talvez o que seja essencial seja bem menor do que a minha pessoa...
Naquele momento de delírio o que era eu, ou melhor, qual era a minha identidade cósmica? Certamente minha consciência. Mas e minha consciência da minha consciência? Esta maravilhosa dobra sobre mim mesmo! Este desenvolvimento Agostiniano-cartesiano, ou quem sabe ainda anterior? Esta afirmação de mim não me interessa agora, pois é muito possível imaginar aquele que recebe impressões e não se atém a si mesmo, no entanto é impossível pensar aquele que recebe impressões sem poder recebe-las, ou seja: sem a consciência . Fixo-me no que é essencial, para guerra e para os pobres a perspectiva é sempre a mesma: mantenha-se vivo, coma, respire e beba, o resto vem a partir daí.
Como pude perceber-me em uma situação completamente distinta se minha identidade, como pessoa, mudou? Hoje sou um estudante de filosofia insignificante, em sonhos, era um índio belo, com uma mata inexplorada pela frente, o sol brilhava e as plantas frutíferas eram abundantes. O que ocorre é que nosso cérebro não é uma máquina como querem entender os cientistas da computação de hoje, enquanto a memória da máquina digital acumula zeros e uns, nada ou tudo, não fluxo de corrente e fluxo de corrente, dados, enquanto podemos ampliar uma foto no computador até o infinitésimo detalhe ou ainda que não seja, até o último pixel, nosso cérebro não assim procede e funciona: quando lembro-me de algo, lembro-me não de dados, mas de vontades. Quando penso em minha amada, penso nela rindo, penso em seu perfume e nos momentos que passamos juntos, a memória é quase um ser vivo. Minha amada no computador é uma foto, em minha memória não. Se discutir com ela hoje, as lembranças em minha mente mudarão de figura! Porque memória orgânica é muito mais complexa que a digital, e é complexa a tal modo que diferencia-se não quantitativamente, mas qualitativamente. Ainda que possa fazer experimentos matemáticos em meu pensamento devo lutar de modo brutal contra minha vontade de projetar vontade e no final, perco tal batalha, deitado, em frangalhos sob o chão largo minha arma e descubro que a vontade da matemática é uma: “objetividade”, “frieza”. Assim sendo, a posição básica do ser humano já é a psicodelia, ele se droga com pensamentos, impressões que podem ser estimuladas por coisas “externas” a ele como o medo de algo, a alegria por um acontecimento. O homem é um ser psicodélico, o resto vem a partir daí.
O vazio representa a própria consciência na medida em que ela é ausente de conteúdo, a consciência é a forma pura, é a identidade cósmica, pois não possui “memória” nem personalidade per se, somente a consciência é o que permite que existam dois seres com as mesmas “memórias”, e o mesmo corpo e que, além da diferença de localização do espaço possam ser ainda diferenciados por dois seres distintos por possuírem diferentes consciências. O nada por outro lado, é o que pode permear a consciência pois, não sei se sou várias pessoas diferentes com a mesma memória no mesmo corpo (pois possuímos a mesma memória mas não a mesma consciência, a mesma identidade cósmica, ou seja, nossas identidades podem estar em constante aniquilamento, nadificação) ou se nos momentos em que não me lembro de algo eu simplesmente não me lembro ou não estava sendo minha identidade cósmica, se ela estava “desligada” (como quando nos encerramos em nós mesmos, não estávamos pensando, ou não nos lembramos que pensávamos?). A esses impasses dei o nome de Niva (união das palavras nada —nihil— e vazio — vacuum—em latim) que quer exprimir estes impasses de consciência, pois não sei se naquele momento eu (eu ou pessoa= consciência+memória+corpo) existi (se minha memória e minhas funções de consciência estavam ‘ativas’) ou se era puro vazio de consciência.
O que chamamos de pessoa é um composto de manifestações.



Capítulo 4 – “Drogas” (?)
“—Isso é agradável?
—Nem agradável, nem desagradável. Apenas existe.”
Huxley, As Portas da Percepção

A percepção acerca da postura do mainstream sobre a questão das ditas “drogas”
            “Drogas fazem mal, o que é droga, deve ser combatido e tratado, menos aquelas outras drogas, que não são drogas, são remédios, e aquelas outras que não são drogas, são ‘lubrificantes sociais’” , reza o conservador. A cruzada protagonizada por Nixon que iniciou-se em 1971, e espalhou para as diversas classes sociais o mito da sociedade sóbria, isto pode ter sido um “tiro no pé” da humanidade.
            O colonialismo e o imperialismo, a globalização e o extermínio indígena não são somente o — efetivo — extermínio dos povos tão bem descrito pelo Frei Bartolomeu de las Casas e Dee Brown que se estendeu de maneira brutal de 1500 (no caso dos sul americanos) até os dias de hoje. Tem-se a cultura indígena ou qualquer cultura que é  alternativa a grande massa modernizada como superada e perniciosa ao progresso do país, e tudo o que nela há é tido como ultrapassado ou, na melhor das piores hipóteses, vendável em forma de produtos para a indústria cultural, na forma de um índio não só idealizado mas moldado ao interesse da grande mídia que necessita de uma espécie de herói romântico que defenda a natureza e o Bem (naturalmente um Bem vazio, no sentido vago e pernicioso de vazio).
            Enquanto o cinema, o romantismo brasileiro e a cultura mainstream idealizam o índio imprimindo nele um romantismo tosco e vazio, chegando, quanto maior a decadência cultural, a uma caricatura do preguiçoso, ou senhor de uma impossível ingenuidade ou ainda um ser transcendente que não estaria ligado as consequentes mazelas do mundo moderno, como uma manifestação da natureza poderosa, bela e infinita que os homens modernos há muito abandonaram mas com ela sonham como um retorno freudiano à casa dos pais.
            Com essa excessiva mercantilização da imagem da cultura indígena esqueceu-se de se debruçar sobre ela mesma, deste modo, não se vê que o índio possa ter importantes contribuições não só acerca de seu conhecimento das plantas que possuem princípios ativos que interessam multimilionária indústria farmacêutica, como querem os empresários, mas também para os campos da moral , ética, metafísica, ontologia, teoria do conhecimento, estudos em antropologia, filosofia, sociologia, religião e tantos outros. O verdadeiro extermínio indígena é o extermínio de sua cultura e hábitos através de uma relação unilateral de modernização do índio, um esforço pronunciado em “introduzi-lo a civilização”[8], como se fosse possível estar fora dela. De qualquer modo os hábitos indígenas, como por exemplo as substâncias psicoativas por eles usadas foram por muito tempo proibidas, após esse período, restringidas somente à civilização indígena, continuou ocorrendo, com esta medida aparentemente “liberal” , um ostracismo do indígena com o restante da população brasileira, foi somente a partir da década de 1980 que o Santo Daime, religião sincrética que une basicamente o cristianismo e os ritos da ayahuasca  encontrou difusão mais popular dentre os brasileiros.
A transcendência na bioquímica
            O que é um fenômeno químico e o que não é? Como se pode saber se um fenômeno é químico ou se é também uma outra coisa? Usar substâncias enteógenas não comprovaria a primazia do material sobre o espiritual? Alan Watts em seu artigo “A Nova Alquimia” pensa que “(...)Recentemente, a química moderna conseguiu preparar uma ou duas substâncias que, em certas circunstâncias, ao que dizem, produzem estados mentais muito semelhantes a consciência cósmica.
            Esta afirmação é profundamente perturbadora para muitas pessoas. De um lado, a experiência mística seria fácil demais se dependesse do conteúdo de um frasco e, principalmente, estaria à disposição de pessoas que nada fizeram por merecê-la, que não jejuaram, não rezaram, nem praticaram o yoga. Por outro lado, semelhante afirmação poderia implicar que a intuição espiritual nada mais é, afinal de contas, do que um caso de bioquímica — o que reduziria completamente o espiritual ao material.
            (...)As circunstâncias nas quais o padre, em virtude de sua função, transforma as espécies pão e vinho em corpo e sangue de Cristo ex-opere operato, repetindo apenas a fórmula da última ceia, não são radicalmente diferentes da situação do químico que pode conseguir transformar o cérebro repetindo ponto por ponto a fórmula de uma experiência. O valor relativo dos dois gêneros de transformação deve ser julgado segundo seus efeitos. Sempre existiram algumas pessoas sobre quem os sacramentos do batismo da comunhão jamais ‘influíram’ e que nunca foram de fato reformadas. Assim, também, nenhum destes produtos químicos que conseguiram transformar a consciência é, exatamente , uma experiência mística contida num frasco. São numerosas as pessoas que experimentam a droga e que sentem apenas um leve êxtase sem intuição, ou as que têm uma desagradável experiência de sensações confusas e de fantasmas.
            Um produto químico deste gênero estaria na mesma categoria do telescópio, do microscópio e do espectroscópio — quer dizer, entre os instrumentos que ajudam na percepção — com a diferença que ele não é um objeto exterior e material, e sim a ocasião de encontrar um determinado estado interno no sistema nervoso. Cada um desses instrumentos, para poder  funcionar, supõe não somente um anterior aprendizado do seu manejo, mas também um conhecimento do campo a ser estudado.
            Só estas considerações deveriam bastar para demonstrar que tais produtos químicos não reduzem a intuição espiritual a uma simples questão de bioquímica. Além do mais, mesmo quando é possível descrever certos acontecimentos com a ajuda da química, não é necessário que tais acontecimentos sejam unicamente químicos. Uma descrição pela química de uma experiência espiritual seria tão útil (e teria as mesmas limitações) quanto a descrição, por meio da química, de um quadro conhecido. Não é difícil fazer uma análise química das cores, e esta analise, provavelmente, teria certo interesse para o pintor e o conhecedor. Poder-se-ia também fazer uma descrição em termos de química, de todos os processos fisiológicos que funcionam enquanto o pintor trabalha, mas esta análise seria por demais complexa. Por que, então, nos incomodarmos com semelhante método, quando podemos descrever e explicar com mais eficácia os mesmos processos, servindo-nos de outra linguagem? Diremos que um processo é químico apenas quando a terminologia química for o meio mais eficaz para descrevê-lo. De maneira análoga, alguns dos produtos químicos pretensamente ‘psicodélicos’ permitem ouvir boa música assim como um piano de marca superior permitirá que a peça seja tocada em melhores condições; esses instrumentos facilitam a audição e a execução dessa musica, mas não fazem o trabalho sozinhos.”
            Ou seja, isto abre para a posição de Timothy Leary[9] em que são colocados dois fatores para a experiência psicodélica: a disposição e o dispositivo. A Disposição diz respeito ao “estado de espírito” da pessoa que faz a experiência, seu humor, suas esperanças, memórias, receios e desejos, a atmosfera física e emocional da localidade, suas companhias. É um fato conhecido que as experiências psicodélicas podem desencadear, entre outras, experiências religiosas, estéticas e terapêuticas reguladas pela disposição e o dispositivo. O dispositivo, como o leitor deve já imaginar, diz respeito à substância, seja ela mineral, vegetal ou animal ou até mesmo outro veículo (sonoro ou aditivo) que, em contato com um determinado tipo de animal (no caso dos gatos temos a Nepeta sp, a erva do gato; inócua em humanos) se gera uma alteração de consciência. Naturalmente é de se imaginar que se torna bastante difícil, se nos debruçarmos sobre a questão, diferenciar dispositivo de disposição, mas, se não for uma distinção real, ao menos é útil.[10]

Entre os índios sul americanos, o LSD e “drogas” miméticas
            Assim como a academia é capaz de formar especialistas que acreditam que Nietzsche é um filósofo da História, Marxistas que são conservadores em seu método e estudiosos do deus Dioniso que, por exemplo, não apreciam vinho, nem bebidas alcoólicas, teatro ou música e são capazes de fazerem uma exposição completamente cartesiana de um tema que é desmesurado per se e serem, eles mesmos extremamente comedidos frente aos outros. Naturalmente, este fato é risível, fica como um “o senhor é um impostor em tua própria carne” no ar. Àqueles outsiders, que estudam a filosofia não-oficial, não são permitidos os mesmos vícios acadêmicos. Filósofos da América Latina que estudem a filosofia e “cosmologia” indígena não podem não entrar em contato, não podem não experimentar, em si mesmos , aquilo que figura como um dos pontos centrais do índio, que figura como sua realidade. Não podem ser capazes de falarem duas horas sobre sua cosmologia, metafísica e moral sem ao menos terem experimentado de onde surgiram estas categorias, e de onde elas retornam para mais se desenvolverem.
            Imagine um ser que é extremamente inventivo e se entende em um determinado ambiente. Este ser se alimenta, não só cria costumes relativos a alimentação como ao sexo, Pode guiar-se por um sentido específico, a visão, o olfato, a audição, o tato ou o paladar. Ele se organiza de algum modo e, então, neste seu processo de vivência, quando passeia por seu ambiente come um determinado alimento e passa a sentir, pensar e enxergar de uma maneira nova e inusitada, aqui ele escuta, vê, cheira, e descobre combinações novas de sentidos e, quem sabe, novos sentidos, este plano rapidamente passa a servir como integrante indispensável nos ritos de sociabilidade, como este é um plano tão específico e que somos incapazes de a ele permanecermos indiferentes, como sempre se aprende sobre nós mesmos todas as vezes que ele é acessado, ele não só tomado por uma realidade: ele é o plano mais real. Quando Elliade nos diz que “o homem religioso tem necessidade do real” creio que é a isso que ele se refere: o real não é claro como cristal, os planos de existência também não. Dizer para um índio que a ayahuasca é uma ilusão irreal é como dizer para um ocidental que o que estiver a leste do meridiano de Greenwich não é real, que a Televisão não é real porque lá admiramos imagens “sem materialidade”, ou que a China não é real porque não conseguimos compreender como funciona, exatamente, sua organização econômica. Primeiro, está claro, opta-se pela a irrealidade de algo, depois a justificamos.
            Longe de ser real por ser necessariamente “agradável”, ou por gerar prazer, muitas vezes a ingestão desta planta, ou cogumelo ou animal (como exemplo, o famoso Sapo Cururu —Bufo alvarius—) é extremamente dolorosa e desagradável, o uso de tais substâncias não se configura, necessariamente, como uma “fuga do sofrimento” ou “fuga do real”, muitas vezes a ingestão dessas substância têm a finalidade de gerar sofrimento[11], a ingestão dessa droga tem como fim conhecer o real. Não há “fuga do real” porque a categoria de realidade como algo separado da “alucinação” sequer era conhecida, ela não é natural, quando atingimos ‘efetividade’ não há uma comunicação com o universo, com uma confirmação de que ‘acertamos nas suas pistas’ de ‘leis naturais’, como diria Nietzsche “Toda regularidade que tanto nos impressiona na trajetória dos planetas e no processo químico coincide, no fundo, com aquelas propriedades que nós mesmos introduzimos nas coisas, de sorte que, com isso, impressionamos a nós mesmos”.
            Entre os mayas, restaram a nós algumas pedras de mais ou menos 30 ou 35 centímetros, que podem ser de uma base retangular  somente ou de uma base adornada com um personagem ou animal.



             Colocado por entre a base retangular e a base do chapéu do cogumelo, simbolicamente tem-se , segundo Emile Folange, uma posição “entre o pólo celestial e o pólo terrestre , a personagem da escultura antropomórfica se confunde com o pé do cogumelo. A volta da cabeça e como que para sublimar sua situação eminentemente central, um sol chamejante forma um nimbo. Estamos certamente diante de uma representação do “Filho do Céu e da Terra”, do mediador por excelência, que na época das antigas civilizações exercia  a dupla função de pontífice e soberano”. O involucro e a base da pirâmide, continua o autor, lembra as bases das pirâmides do antigo México e de outras partes cuja simbologia  se assemelha estreitamente ao cubo. Enquanto a arquitetura cúbica é a visão estática do polo substancial, a estrutura piramidal refere-se ao processo involutivo da manifestação, cujo distanciamento progressivo se efetua no sentido de uma quadratura crescente. É interessante observar que os Mayas já percebiam nos céus este abaulamento dos céus da Terra, característico de estruturas esféricas.
            O culto dos teonanactl é extremamente antigo. As evidências levam a crer que a “beberagem  da imortalidade” era um preparado extraído da polpa do peyote, cujo principio ativo é parente do LSD 25[12], e das folhas da “pastora’, era, portanto, um coquetel. A respeito do LSD 25, Hoffman já alega, que ele não teria sido o descobridor do LSD, ele foi, certamente o descobridor da forma isolada e farmacêutica, no entanto, o LSD e suas formas miméticas (substâncias que possuem a configuração da molécula e efeitos similares) são usados a milênios pelas comunidades humanas e, pasmem (ou nem tanto, se o leitor já teve o prazer, o medo, a descoberta e a honra de fazer uso da substância) “ela é utilizada sempre em contextos ritualísticos”, defende. “Nunca pensei que uma droga com tais efeitos teria sido popular” e, de fato, foi. Quando o LSD 25 “vazou” para as ruas, quando começou a ser  usado, causou um boom cultural, um desejo, segundo Timothy Leary, de uma “renascença espiritual”[13]. Teria sido esta realidade paralela, cujo os efeitos e a menor parte da mudança causada no indivíduo são possíveis de serem descritos pela História, que é responsável pelas coincidências encontradas no profundo espiritualismo Hindu e o Sul americano?[14] [15]Os Hindus, inclusive figuram como um povo que não só estudou  profundamente a mente e o universo como o fez sob o efeito substâncias, como é o caso dos Sadhus , que o fazem o efeito do haxixe, derivado da cannabis ou “maconha”, e inclusive para eles, a realidade que é vista fora do efeito desta substância é inferior ou até menos real, o que se assemelha bastante a interpretação dos indígenas acerca do mundo e encontra resistência no racionalismo ocidental que se manifesta de diversas maneiras, tanto na ciências naturais como sociais e na filosofia.
As cosmologias mágicas, especialmente a Maya e a Védica possuem comunicações similares. Poderíamos explorar essas configurações em termos de axiomas comuns? É sabido que na Índia hão cogumelos com substâncias miméticas às da América do Sul. Provavelmente seu estudo sério geraria novas filosofias e ciências.
            O Efeito comum, um axioma?
            Sob o LSD, um único pensamento pode se ramificar em uma vasta hierarquia de subpensamentos, todos conectados, mas de maneira muito complexa e sutil para descrever. Cada ramificação torna-se inconstante, uma amalgamada e elaborada rede. A tradução em palavras consegue transmitir apenas alguns esparsos, quebrados fragmentos. Sidney Cohen[16], assim como Huxley, defende que este alto nível de associações as quais são evidenciadas na experiência psicodélica, são correntes e ocorrem o tempo todo. A questão é que o cérebro filtra este turbilhão de pensamentos , o LSD e suas drogas miméticas são capazes de cessar este turbilhão associativo, o filósofo de Cambridge, Dr.  C. D. Broad, defende que “ será bom considerarmos, muito mais seriamente do que até então temos feito, o tipo de teoria estabelecida por Bergson, com relação à memória e ao senso de percepção. Segundo ela, a função do cérebro e do sistema nervoso é, principalmente eliminativa e não produtiva. Cada um de nós é capaz de lembrar-se, a qualquer momento de tudo o que está acontecendo em qualquer parte do universo. A função do cérebro e do sistema nervoso é proteger-nos, impedindo que sejamos esmagados e confundidos por essa massa de conhecimentos, na sua maioria inúteis e sem importância, eliminando muita coisa que, de outro modo, deveríamos perceber ou recordar constantemente, e deixando passar apenas aquelas poucas sensações selecionadas que, provavelmente, terão utilidade na prática”. A teoria pode ser pensada também como o cérebro contendo um turbilhão de percepções gerada pela sua própria capacidade de cognição. Como defende Huxley, o espaço está lá, mas perde sua primazia: a mente se preocupa menos com medidas e lugares e mais com existência e significado.  Aparentemente o homem aparece invertido: enquanto na vida cotidiana interessa saber a distância da casa ao trabalho, o preço do pão e da margarina e o horário de um determinado compromisso, sob o efeito da substância todas essas questões são ridículas (o que explica parcialmente as crises de riso que se desencadeiam quando se lembra das “antigas” obrigações).
            A questão é que, sendo uma ação física, espera-se que, nos corpos físicos, o fator alterador de consciência (que neste caso é um agente químico) possua, nos corpos,  um efeito constante, desse modo, tendo a mente, sendo material ou imaterial,  uma ancoragem no cérebro, ela é capaz de responder de forma  múltipla, mas ao mesmo tempo mantém uma constância geral.  De maneira geral, o contato com o LSD e o Ayahuasca[17] é extremamente subversivo. Ambas as substâncias são descritas como possuindo efeitos similares: o DMT é uma importante substância química, que age no background do fenômeno dos sonhos e ,por isso é capaz de gerar as famosas mirações, “visões” , como num sonho, mas em plena vigilha. O LSD, por sua vez possui, documentado, diversas reações, entre elas desejo destacar duas: uma que parece-me importante para o desenvolvimento artístico, filosófico e científico, a outra, que considero importante para o desenvolvimento moral e de uma ética, mais especificamente de uma ética negativa.
O primeiro desdobramento é a descoberta de novas capacidades efetivamente reais, ou a liberação de uma capacidade que estava repreendida por alguma ação psíquica, o surgimento de grandes ideias ou de habilidades é largamente relatado, dentre um dos mais impressionantes, encontramos o relato de um homem que teve um desbloqueio tamanho em suas faculdades psíquicas que ganhou uma nova habilidade, aqui vai o relato:
“Outro fato, raro, aliás, do qual registramos um caso, juntamente com o Dr. P. Thénevard,  concerne à aquisição, após a prova, de uma qualidade que o paciente não possuía anteriormente e que ele registrou depois. A observação aplica-se a um experimentador, M.E., que foi submetido a seis ensaios sucessivos. Durante a terceira sessão, sentiu de repente vontade de desenhar, o que realizou em condições cada vez mais satisfatórias, quando antes não havia manifestado nenhuma disposição dessa natureza. Primeiro seria uma ave de rapina estilizada, com suas garras .Ele traça as ondas do mar. Esquematiza numa linha dupla o ziguezague do rio. Com dois traços, representa o túmulo do Imperador — reminiscência dos Invalides. Após a quinta experiência, dedica-se à espiral atingir o funil, que se torna uma obsessão. Depois exprime o desejo de pintar. Dão-lhe tintas e pincéis. Ele rabisca. A princípio serão sinais heráldicos, até o typha dos egípcios, depois uma silhueta de galo[18], com esporões proeminente. Meses mais tarde, sente, bruscamente, em seu estado normal, uma espécie de impulso imperativo que leva, a partir do galo da experiência, com seus esporões a desenhar no muro do quarto um Cristo, extraordinário pelo traço e pela firmeza, Adão e uma Eva de linhas incompletas, mas harmoniozas; aparece — ainda — a silhueta de um galo digno de um artista. Assim, a experimentação psiloscibiana conduziu o paciente a uma aquisição surpreendente: não se trata apenas de uma recordação ligada à ação da droga; é a tradução imprevista de um talento que ela fez fazer. Mas tradução momentânea, logo desaparecida, pois o sujeito não conservou depois esse poder nascido depois esse poder nascido da prova.”[19] O ganho de habilidades artísticas e de grandes insights com o Peyote e o LSD configura como algo conhecido entre seus usuários.
O segundo desdobramento se mostra extremamente interessante. O contato com o LSD aparentemente gera uma percepção existencial de tudo o que nos cerca, muitos relatam que entenderam que todos deveriam estar carregados de profunda humildade devido a nossa condição humana, outros sentiram-se inseridos em uma peça onde cada um exerce seu papel, o relato de ambas as sensações é EXTREMAMENTE comum, aconteceu até para este aqui, que vos escreve, Huxley conta que exclamou, após apresentarem um quadro de Cezanne a ele:
“ — Que pretensão! Quem ele pensa que é? — Essa exclamação, eu não endereçava a Cézanne, em particular, mas a toda a espécie humana. Quem pensavam que todos eles eram?
(...)
Feliz ou infelizmente(dependendo do significado da palavra) todos nós exageramos ao viver o papel de nosso personagem favorito. E o fato quase infinitamente improvável de se tratar de Cézanne, de pouco lhe valia. Pois o renomando pintor, com seu pequeno conduto para a Onisciência a burlar a ação da válvula redutora formada pelo cérebro e o filtro do ego, era também, e tão somente, um duende de grandes suíças e olhar inamistoso.”
A iluminação existencial pode ser tamanha que causa uma forte crise de paranóia como bem nos conta Cohen:
“Delusional thinking has been observed, and altogheter paranoid ideias witout any insight that they are incorrect.
One subject had the delusion that ‘All this is a plot, everything that is happening has been planned and staged to produce the effect on me’. No texto de Richard P. Marsh[20], é citada, dentre as várias vantagens da psicodelia a capacidade de vêr o jogo, ou seja:
“De todos os benefícios da droga, este é, sem dúvida o maior e o mais persistente. O autor (professor da universidade) lembra-se que por ocasião de sua terceira experiência lisérgica, ele encarava o médico que lhe ministrara a droga com a consciência aterradora, mas também libertadora, de que aquele homem não era mais um doutor e nem ele era um professor. O ‘professor’ e o ‘doutor’, embora corretamente diplomados, apareceram claramente como impostores. Ainda mais, esta descoberta se mostrou como extremamente libertadora e ‘refrescante’. Dois jogadores, um disfarçado no papel de doutor, o outro representando o professor, haviam despido os seus trajes e abandonado o jogo e, graças ao LSD, tinham-se sentado, confrontando-se numa atmosfera de realidade nua incondicionada. As sensações de liberdade e relaxamento eram incríveis”
Nossa sociedade “normal” também sofre “alucinações”, mas é um fato repreendido, Raymond Smythies já assume que a alucinação é parte de psique normal de uma criança e, quando o indivíduo cresce, tais alucinações são suprimidas devido ao seu valor social negativo, pelo que é conhecido pela atividade normal de uma “mente racional”, ele pode estar correto, já em Freud, temos a asserção de que a psicose é um sonho acordado. De modo similar, um sonho representa uma mimese psicótica das fantasias de uma mente que está desinibida justamente porque dorme. Estas sociedades indígenas, e esta é minha aposta, possuíam uma ética superior, como foi explanado em sala, justamente  não porque eram ingênuas, mas porque conheciam de modo profundo o funcionamento da mente, dos desejos e medos do ser humano de suas sociedades porque vivenciavam esta experiência psicodélica[21] que, em muitos casos foi tratada pelos jargões psiquiátricos de “psicose”, “alucinação”, “cisão do ego”, “aniquilação do ego”, como já argumentou Humphrey Osmon em seu texto “Sobre Alguns Efeitos Clínicos”, e prossegue: “ O termo ‘psicomimético’ é particularmente apropriado ao contexto, pois estes compostos químicos são capazes de provocar estados de consciência que ‘imitam’ as doenças mentais ou psicoses (...) Nossa ignorância é particularmente inquietante do ponto de vista médico, mas o interesse destas drogas ultrapassa o próprio campo da medicina. Elas encontram expressão na psicologia, na sociologia, na filosofia na arte e até na religião” no entanto hão outros autores que discordam desta leitura psiquiátrica, como Leary, e argumentam que não se pode usar jargões psicanalíticos específicos para os efeitos múltiplos de uma nova ciência que apresenta novos resultados.
            É importante, pois, salientar que, enquanto o Europeu, de modo geral, vive em um mundo morto, e sua metafísica nos lega isto: lida com um Deus que ele não pode ver, sentir nem tocar, coisifica as coisas, acha que elas estão mortas, é capaz de ver nelas apenas um devir mecânico, o “índio”, em contrapartida, não só vê o seu Deus diretamente, mas também o vê nas coisas, sente sua presença, fala com ele, o escuta, o sente, o toca, também pode ser punido por ele, mas de um modo direto, vive em um mundo vivo, qual de nós irá escolher qual deles é o “mais real”? É evidente, portanto, que sua metafísica e cosmologias seriam de coisas vivas pois nascem de coisas vivas! Sua ontologia é humanizada, até mesmo, porque seu esclarecimento (com o qual ele pretende traçar estratégias objetivas e efetivas de sobrevivência), que brota do mito é bastante distinto do esclarecimento europeu, sua objetividade também é distinta.
            Já nos lega Adorno, a percepção de que as categorias do esclarecimento não só brotam, mas possuem fundamentação mítica e para lá caminham: em seu Dialética do Esclarecimento argumenta:
“Do mesmo modo que os mitos já levam a cabo o esclarecimento, assim também o esclarecimento fica cada vez mais enredado, a cada passo que dá, na mitologia. Todo conteúdo ele recebe dos mitos, para destruí-los, e ao julgá-los ele cai na orbita do próprio mito. Ele quer se furtar ao processo do destino e da retribuição. No mito, tudo o que acontece deve expiar uma pena pelo fato de ter acontecido. E assim continua no esclarecimento: o fato torna-se nulo, mal acabou de acontecer. A doutrina da igualdade entre ação e reação afirmava o poder da repetição sobre o que existe muito tempo após os homens terem renunciado à ilusão de que pela repetição poderiam se identificar com a realidade repetida e, assim, escapar a seu poder. Mas quanto mais se desvanece a ilusão mágica, tanto mais inexoravelmente a repetição, sob o titulo da submissão à lei, prende o homem naquele ciclo que, objetualizado sob a forma da lei natural, parecia garanti-lo como sujeito livre. O princípio da imanência, a explicação de todo acontecimento como rejeição, que o esclarecimento defende contra a imaginação mítica, é o princípio de próprio mito.”
            O efeito comum de certas substâncias alucinógenas pode ser a explicação para a similaridade de culturas em algumas partes do globo, assim como para a formação de um ethos, de uma racionalidade e de uma linguagem. E, a partir daí tem-se um axioma no qual a cultura caminha.
           








A Primavera das efetividades
Apesar de podermos compreender, por exemplo, um índio como outro, poder-se-ia contra argumentar que jamais conseguiríamos adentrar seu entendimento de mundo, até mesmo porque, em seu modo de vida reina um mito chamado “mito” e no nosso modo de vida reina um mito chamado “esclarecimento”. No entanto seria possível “esclarecer” este mito? Seríamos capazes, se nos enredarmos nos mitos antigos indígenas, de neles nos embebedarmos, seria possível colher daí, algo?
O que chamo de primavera das efetividades brota diretamente do que contemplamos acima: se o esclarecimento possui sua base no mito, e para ele caminha, se a ciência moderna brota do movimento do esclarecimento europeu, o que poderia brotar, por exemplo do esclarecimento dos nossos mitos? Conseguiríamos, acaso uma outra ciência, capaz de ser não somente tão efetiva quanto a atual, mas que conseguisse cobrir planos que a atual ciência é incapaz? São possíveis efetividades diferentes: pense na física newtoniana e na relativística: até uma certa velocidade da luz, ambas funcionam, mas partem de ontologias distintas. O Japão, por exemplo, apropriou-se da cultura hindu e, com sua metafísica fantástica explodiu em conhecimento, como por exemplo a criação das artes marciais, por último temos o exemplo da China que, apesar da primavera cultural ainda mantém sua medicina tradicional de modo sério e respeitoso. As categorias ocidentais corroem todas as outras com seu discurso de efetividade, fora ele todos os seus argumentos estão calcados, no final das contas em mitos (o bem, a não contradição, o ser, etc) se desenvolvermos nossas categorias conseguiremos atingir outras efetividades? Conseguiremos criar uma outra revolução na ciência? Provavelmente sim.  Veja que até mesmo para o mais medíocres dos propósitos os estudos dos mitos indígenas é interessante. Seria possível, por exemplo, elaborar uma teoria Física para construir nossos medíocres eletrodomésticos por meio do ahi, descrito por Viveiros de Castro? Que meios de compreensão do universo essas outras metafísicas podem nos dar? Que outros avanços tecnológicos delas podem brotar? Estudar metafisica indígena é um bom investimento até mesmo para o capitalismo, mas eles são maus investidores, não sabem disto.






Conclusão
Habilitar algumas antigas categorias indígenas, estuda-los, criar com elas, com eles é um objetivo nosso. É evidente que a Europa olhará com maus olhos. Que nos importa! Se a américa realmente for para os americanos, será indígena. Com nossa efetividade, nossas categorias. Discutir o que incomoda as categorias tradicionais, força-las, arromba-las, amplia-las nega-las, desconhece-las é papel do filósofo latino-americano.
É nosso papel estudar seriamente outras formas de conhecer, outras formas de drogas que a sobriedade, não há sobriedade assim como não há naturalidade. A vida é marcadamente incompreensível e o homem se encontra  em um universo fundamentalmente alienígena, não há “naturalidade”.  Sempre soubemos que, como diria Wilde: “- A naturalidade não é mais do que uma pose, a pose mais irritante que conheço – “, então podemos, com isso repensar razão, repensar ciência e filosofia, arte e filosofia, em suma, repensar a nós mesmos. Uma cultura tão distinta e inusitada como a dos índios não só nos ajuda mas nos impõe semelhante desafio.
            A ciência como entendemos ciência certamente acabará e será substituída por um conhecimento mais efetivo quando ela for antropofagicamente comida pelas outras formas de se conhecer. Se considerarmos, no entanto, ciência não como um discurso de razão mas como pensamento, como um discurso de sobrevivência  ela também, certamente sobreviverá, pois já se tornará uma de nós, ela será comida e comedora. O estudo dos povos tradicionais, de outras eras e com outras formas de atingir (ou não) a efetividade faz parte desta grande revolução.
            Certamente a maneira que abordei este escrito foi incompleta, mas de maneira geral, tentei reabilitar a metafisica indígena e suas formas de conhecimento para que possamos, com elas, conhecer. A emancipação, portanto não está como promessa, está como ação. Quando repensei a categoria da História, por exemplo, vi ali uma oportunidade de começar a rascunhar uma nova ciência, já que a antiga ( a História) é demasiadamente Européia, precisa ser entendida como mítica, como alienígena e estranha, assim como são as categorias indígenas e nosso empenho, então, será não em reabilitá-la, mas em sintetizar algo novo com seus destroços juntamente com os nossos: que ser podemos gerar com uma percepção mais elevada e menos grosseira de temporalidade?
            Com isso encerro, esperando que o leitor possa fazer algo mais efetivo e agressivo que eu. Seguindo a perspectiva americana, a de considerar as substâncias fonte de conhecimento, procurei refutar maneiras ‘sóbrias’ de se pensar, já que elas não existem em absoluto e defendi o nosso pensar ‘ébrio’, que cria suas categorias mas ainda assim flerta com a efetividade .Aqui defendi que a experiência psicodélica ritual ou não, não só nos mata e cura, elas nos projetam a outros lugares e aceleram e promovem nossa “evolução cultural”.
Brasília, 26/07/2013,
Igor Oliveira França
           





[1] Meditações sobre Filosofia Primeira , Primeira Meditação
[2] As quatro regras do método cartesiano: “O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção. E de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida
. 
O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las. 

O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. 

E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir” Discurso do Método, segunda parte

[3] “Com efeito, tudo o que admiti até agora como o que há de mais verdadeiro, eu o recebi dos sentidos ou pelos sentidos. Ora, notei que os sentidos às vezes enganam e é prudente nunca confiar completamente nos que, seja uma vez, nos enganaram.” Meditações sobre Filosofia Primeira , Primeira Meditação.
[4] “Por igual razão, embora essas coisas gerais — olhos, cabeça, mãos e semelhantes — possam ser elas também imaginárias, é preciso confessar todavia, que são pelo menos necessariamente verdadeiras e existentes algumas outras coisas, ainda mais simples e universais, a partir das quais são figuradas, como a partir de cores verdadeiras, todas as imagens de coisas que estão em nosso pensamento, quer verdadeiras, quer falsas.
Desse gênero parecem ser a natureza corporal comum e sua extensão, bem como a figura das coisas extensas; a quantidade ou grandeza delas e seu número; o lugar onde existem e o tempo pelo qual duram e que mede sua duração e coisas semelhantes” Meditações Metafísicas, primeira meditação, paragrafo 7.
[5] Basta remeter, por exemplo a Hobbes e sua ideia fundadora de sociedade, a guerra de todos contra todos. Ou mais metafísica ainda seria Nietzsche e sua ‘vontade de potência’ que demonstraria a incapacidade não só dele como também da História de apresentar uma dinâmica desapegada da metafísica.
[6] “(...) todas essas filosofias em forma de história, todas, por mais majestosas que possam ser, fazem como se Kant nunca tivesse existido: elas tomam o tempo por um caráter inerente às coisas em si; além disso, permanecem na região daquilo que Kant denomina o fenômeno, por oposição à coisa em si, Platão, o devir, o não-ser, por oposição ao ser, ao que não se modifica, enfim, os indianos, a teia de Maya.” O Mundo Como Vontade e Representação, Livro IV- O mundo como vontade - segundo ponto de vista,53, 3º parágrafo.
[7] “Em nossa opinião, é estar nos antípodas da filosofia imaginar que se pode explicar a essência do mundo com a ajuda de procedimentos da história, por mais extremamente disfarçados que estejam; e é vício em que se cai desde que, numa teoria da essência universal tomada em si, se introduz um devir, quer seja presente, passado ou futuro, desde que o antes e o depois aí desempenhem um papel, seja ele o menos importante do mundo, desde que, por consequência, se admita, aberta ou furtivamente, no destino do mundo, um ponto inicial e um ponto terminal, depois uma estrada que os une, e sobre a qual o indivíduo, filosofando, descobre o lugar onde chegou. Este modo de filosofar histórico dá como produto quase sempre alguma cosmogonia.” O Mundo Como Vontade e Representação, Livro IV- O mundo como vontade - segundo ponto de vista,53, 3º parágrafo.
[8] Ou, como diria Marx :“ a burguesia arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização”
[9] No artigo “Sobre a Programação das Experiências Psicodélicas”
[10] O Ritual pode ser lido como uma maneira de influir na ‘disposição’.
[11] Para isso ler Marachimbé veio foi para apurar. Estudo sobre o castigo simbólico, ou peia,
no culto do Santo Daime de Leandro Okamoto da Silva
[12] Como exposto por Émile Foulange em seu texto “As Pedras Cogumelo”, também consta em  Hoffman “LSD – My Problematic Child”.Há tais alegações no documentário “The Substance”,
[13] Esta é a tese presente tanto no documentário já citado “The substance”, que conta com entrevistas originais de Hoffman, filmagens raras de Leary, laboratórios de LSD e diversos intelectuais sobre o assunto. Também esta é a tese presente do livro de Martin A. Lee e Bruce Shlain: Acid Dreams, The Complete Social History of LSD.
[14] “Se nos faltam textos escritos , os afrescos e as pedras-cogumelo demonstraram , na linguagem universal dos símbolos, uma “Ciência” esquecida, e seu testemunho concorda com os Rig-Veda e do Avesta”.
[15] Sobre o tema ainda há a tese bastante ousada e revolucionária de meu amigo, Alan Tórma descrita em seu livro “Metamorfoses na Jugular Petrificada” a qual eu concordo, ainda que em parte, que o grande responsável pela cognição e consciência foram as experiências psicodélicas. Em uma discussão posterior com ele, sugeri que, é possível que a linguagem e o aparato intelectual humano, em seus primórdios, seja tão delirante ( como a filosofia védica, os pré socráticos, os indígenas americanos) justamente porque é a tentativa de mimese, de imitação destas  experiências psicodélicas, mas, a partir do momento que ela é mimetizada, pode ser percebida em grupo, no capítulo posterior exporei melhor a questão de as drogas terem um elemento que é visualizado pelo grupo — não compartilhado, mas o indivíduo percebe a similaridade não só de comportamento, mas de associações  e finalidades (pois sabemos que a psicodelia é capaz de mudar nossa “visão de mundo”) dos outros indivíduos — de qualquer modo, a partir do momento que as experiências psicodélicas foram sendo compartilhadas, segundo esta minha teoria, foi possível criar não entendimentos, mas objetos similares uns aos outros, um patamar comum para a linguagem. Para esta pesquisa ousada, seria interessante, no futuro, unir o grau do tamanho do cérebro e o desenvolvimento de linguagem à ocorrência de plantas, ou animais ou substâncias psicodélicas  nas áreas habitadas por antigos grupos humanos .
No entanto, havia ainda um problema em nossa teoria: como a linguagem e a consciência são fenômenos psicodélicos se até quem não os viveu tem consciência E linguagem? Creio que a resposta é uma boa contribuição à filosofia da linguagem. A linguagem não é só fruto de um processo psicodélico, ela gera psicodelia, a linguagem é psicodélica. A psicodelia muda nossa relação com o mundo, manipula fortemente a linguagem porque ela mesma, a linguagem é um fenômeno psicodélico. Portanto, não há como escapar: nosso mundo, com nossa cognição, com nossa linguagem, é uma “trip”. Infelizmente, para os moralistas, drogamos nossas crianças desde sempre.
[16] Em seu livro Drugs of hallucination: The LSD story
[17] O LSD e o Peyote possuem seus princípios ativos como isômeros. Já ayahuasca já foi descrita por algum como tendo efeitos mais pronunciados que o LSD.
Em —História da Descoberta dos Cogumelos Alucinogenos no México— Roger Heim escreve:
“Se saturarmos de gás carbônico uma solução aquosa de psiloscibina a fim de eliminar oxigênio do ar, e se aquecermos num tubo fechado a 150 graus durante uma hora, a molécula por cisão hidrolítica,partir-se-á em uma molécula de hidroxi-4-dimetiltriptamina e uma molécula de ácido fosfórico.
                Albert Hoffman já havia mostrado em 1959, juntamente com Stoll, Trouxler e Peyer, que os isômeres de hidroxi-indol eram conhecidos por seus carcteres bem particulares de seu espectro ultra-violeta. É assim que podemos deduzir, pela marcha da curva de absorção da psilocina, que se trata aqui de um derivado indolico de posição 4, e a precisa estrutura deste corpo, identificável à da psiloscibina dephosphorylée, pode ser mostrada graças a um espécime autentico de hidróxi-4-dimetiltriptamina obtido, aliás, por síntese. Quanto ao ácido fosfórico, nós o precipitamos e identificamos sob a forma de sal amoníaco-magnesiano.
                Tratando, pelo diazometano, a psiloscibina em solução metílica, Hoffman e seus colaboradores obtiveram um composto neutro no qual entraram dois grupos metílicos; ele é identificável ao éster metílico do sal quaternário da psiloscibina Hofman foi auxiliado na realização da s´ntese da psiloscibina pelo fato Tratando, pelo diazometano, a psiloscibina em solução metílica, Hoffman e seus colaboradores obtiveram um composto neutro no qual entraram dois conforme já o dissemos Tratando, pelo diazometano, a psiloscibina em solução metílica, Hoffman e seus colaboradores obtiveram um composto neutro no qual entraram dois de ter estado, anteriormente, associado à preparação por síntese do benziloxi-4-indol; é assim que ele obteria, pelo método do cloreto oxálico, o hidroxi-4-dimetiltriptamina, que se mostra idêntico ao produto da hisrolse da psiloscibina defosforizada. Pela esrificação do hidroxilo fenólico deste corpo por meio do cloreto de dibenzil e a cisão redutiva dos grupos benzinoicos, voltamos a própria psiloscibina desfosforizada. Pela esterificação do hidroxilo fenólico deste corpo por meio do cloreto de dibenzilfosforil e a cisão redutiva dos grupos benzílicos, voltamos à própria psiloscibina. Espectros infravermelhos, pontos de fusão, formas cristalinas, solubilidades, reações de coloração, identificam-se perfeitamente aos dois corpos, natural e sintético.
                Assim sendo, os trabalhos de Hofmann e seus colaboradores tiveram como resultado pôr em evidência a existência da primeira substância indólica fosforizada que havia sido encontrada na natureza(...)
                ‘Hofmann, aliás, estava em boa situação para insistir ainda sobre o parentesco entre a psiloscibina e a dietilamida do ácido licergico —LSD 25 —,pois entre os derivados indólicos naturais, somente a psiloscibina, o LSD 25 e os alcaloides do fungo do centeio, aos quais se liga o LSD 25(...)
[18] No texto de Émile Folange — Eles viram milhares de Deuses— temos uma coincidência estarrecedora:
“Pedi-lhe que me contasse sua experiência.
Alguns dias após ter ingerido três cogumelos que a Sabina me dera — disse ele — as trevas nas quais estivera imerso começaram a perder sua opacidade e tive a impressão de estar banhado numa claridade semelhante à pálida luz do alvorecer... De repente, num cintilar de cores ofuscantes, vi, sobre o fundo do ceu, bem no nível do horizonte, desenhar-se um galo enorme. O animal batia as asas e sua plumagem refletia as cores do arco-iris. O galo cantou e seu canto repercutiu no silencio, como o som de uma trombeta”. Figueiroa foi preciso: “Para nós, aqui, quando no começo da experiência vemos aparecer essa ave, é um bom augúrio; pode-se ficar certo, desde então, de que a experiência será proveitosa.”
[19] História da descoberta dos cogumelos alucinógenos do México.Roger Heim
[20] A significação das Drogas Mentais
[21] Richard Marsch destaca que a experiência psicodélica, além de outros conhecimentos, pode gerar a Consciência da sombra:
“Esta expressão Jungiana é usada por causa de seu vigor. Segundo Jung a sombra é o lado confuso e abafado da personalidade, uma antítese do lado coletivo e adaptado que se banha, por assim dizer, na luz da consciência. É a origem de uma grande parte do que é desajeitado e ‘mal’ no comportamento humano, embora, paradoxalmente, sua liberação possa proporcionar o ‘bom’. Isto acontece porque a sombra não contém apenas em si elementos destruidores e viciosos da personalidade, mas também números elementos que aparecem unicamente como perversos e demoníacos, mas que são de fato simplesmente desconhecidos, não experimentados, não aceitos. No simbolismo teológico Deus está perdido sem a cooperação ávida, para não dizer ardente, de Satanás, conforme o atestam o Gênese, o livro de jò, o relato das tentações de Jesus, o da tentação de Buda por Mara e outros textos e mitos religiosos.

Sob a ação do LSD, a sombra pode tornar-se objeto de uma liberação explosiva. Aí está realmente um dos riscos da droga e isto é razão suficiente para que seu emprego seja controlado e seletivo. Alguns casos registrados nos quais o LSD foi nefasto, provocando sérias depressões, psicoses e até suicidos, são provavelmente casos onde aparece um “problema de sombra’, ou então onde foi rejeitada uma classificação que se empunha, ou ainda onde estavam reunidos os dois. Se a sombra for pouco integrada ao ego e ao resto da personalidade, sua liberação - o ressurgimento de matérias relegadas ao inconsciente – pode causar um pânico mais ou menos irreversível,  levando a desintegração da personalidade. Por outro lado, se as expectativas do sujeito forem mal sãs, ou se o ambiente contiver elementos ou interdições a liberação da sombra, poderá, então, mesmo numa pessoa razoavelmente ou bem integrada, ultrapassar aquilo que ela é capaz de suportar”