Introdução
Muito se diz sobre o indígena na antropologia e na
sociologia, nada ou muito pouco é dito nos departamentos de filosofia nas
universidades brasileiras. O tema da América Latina é espinhoso porque
estuda-lo acarreta uma junção de problemas:
1.A certeza de ser um
outsider no sistema acadêmico — o que per se é até prazeiroso — no entanto este
fato vem acompanhado da certeza da falta de incentivo tanto financeiro quanto
dos colegas acadêmicos —este último per se é até prazeroso —.
2.O não reconhecimento da
américa latina e seu pensamento autentico esbarra diretamente com o material
escasso, os livros velhos e pessoas desinformadas, o que é extremamente
desagradável em possíveis debates.
O problema da América Latina esbarra com o problema da
emancipação juntamente com o problema de como entende-se a emancipação.
Emancipação não é a “independência” formal junto a metrópole. Precisamos nos
debruçar sobre nós, e desenvolver nossas categorias, não necessitamos ignorar a
Europa, mas entender que nossa relação com ela é problemática: absorvemos
grande parte de sua cultura — de modo forçado e não pacífico, como foi o
aprendizado do idioma, as mudanças nos modos de vida aqui desenvolvidos, a
matança das populações originárias etc —mas ao mesmo tempo ela gerou um
genocídio dezenas, talvez centenas, talvez milhares de vezes que os que ela
costuma chorar: os de Stalin e Hitler. É preciso pois, emancipar-se. Fazemos
isso, por exemplo ao tentar compreender o índio? Talvez, de modo incompleto,
pois entende-lo é coloca-lo nas categorias européias, mas e o esforço em sê-lo?
A população brasileira permanece ignorante acerca da cultura indígena, bem como
maior parte dos universitários. O índio é caricaturizado como uma criatura
mística cuja cultura foi vencida e que, quando é fracamente ouvida pelo homem
branco só o é devido a extrema bondade e piedade deste homem, porque este homem
está, de alguma forma, abrindo um precedente a este povo místico.
O objetivo deste escrito é elucidar que o estudo da
cultura indígena pode revolucionar não só a antropologia, como já fez e faz de
maneira bastante corrente, mas também outras áreas que a ela não deram ainda a
devida atenção: a filosofia(ética, metafísica, estética, ontologia), a física,
a História, a química, a astronomia, evidentemente a psicologia( quando
pensamos na ideia de Leary, na terapia psicodélica), dentre outras. O estudo
destas culturas pode até mesmo nos ajudar a criar novas categorias e ciências.
Longe do trabalho meramente intelectual, este estudo é emancipador, não só
porque pensa a emancipação, mas porque faz parte dela.
Capítulo 1 – A coisificação
das coisas
“Na agonia de tantos
pesadelos
Uma dor bruta puxa-me os cabelos.
Desperto. É tão vazia a minha vida!
No pensamento desconexo e falho
Trago as cartas confusas de um baralho
E um pedaço de cera derretida!
Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme.
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos ensanguento na vigília!
E observo, enquanto o horror me corta a fala,
O aspecto sepulcral da austera sala
E a impassibilidade da mobília”
Uma dor bruta puxa-me os cabelos.
Desperto. É tão vazia a minha vida!
No pensamento desconexo e falho
Trago as cartas confusas de um baralho
E um pedaço de cera derretida!
Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme.
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos ensanguento na vigília!
E observo, enquanto o horror me corta a fala,
O aspecto sepulcral da austera sala
E a impassibilidade da mobília”
Poema Negro, Augusto
dos Anjos
Descartes
entendia que o edifício do pensamento humano era demasiadamente barroco, com
seus infinitos arabescos, e seus pontos escuros enraizados no mito, no
misticismo e na tradição que ao invés de conferirem maior grandeza ao jogo
estético do claro e escuro acabavam por legar-nos uma tradição em que, caso
continuássemos a expandir nosso pensamento para cima construindo cada vez mais
andares, usando os pavilhões estabelecidos pela tradição como base, poderíamos
fazer com que esta gigantesca empresa do pensamento desmoronasse, ao não
conseguir estabelecer nada de sólido, claro e distinto, em suma: não
conseguiríamos fazer ciência. O pensador francês insistia na questão de que era
necessário demolir este edifício duvidoso legado pela tradição e que “fossem
postas abaixo todas as coisas, todas as opiniões em que até então confiara,
recomeçando dos primeiros fundamentos, se desejasse estabelecer em algum
momento algo firme e permanente nas ciências”[1] .
Descartes
descarta o desnecessário e, através dessa operação, pensa poder construir um
edifício muito mais excelente pois muito mais firme e sólido através de seu
método[2]. Com o avanço das
meditações o pensador, através do método da dúvida e da radicalidade, vai
excluindo, um a um, as fontes de conhecimento como os sentidos[3] ,o mundo externo, o
próprio corpo, até alcançar o cogito. O
cogito é o núcleo duro que pode nos legar certezas, é o núcleo que é capaz de
acessar o universal[4],
e ainda elege a Aritmética e a Geometria como ciências que possuem algo certo e
fora de dúvida diferentemente das ciências compostas como a Física, a
Astronomia e a Medicina já que estas últimas se valem da experiência com o
mundo duvidoso, ao passo que as primeiras poderiam ser elaboradas no solipcismo
do cogito. O cogito cartesiano, então, após ser a base do pensamento, passa a
recorrer a natureza não como ávido por contemplação, mas como aquele que exige
da natureza respostas, como, aliás, bem quer Kant.
A
racionalidade cartesiana e newtoniana são responsáveis por grande parte do
desenvolvimento científico, técnico e industrial moderno, bem como são
responsáveis ainda pela metafísica que sustenta grande parte dos discursos
populares e até mesmo científicos até Einstein. Com a racionalidade técnica
moderna a humanidade foi capaz de chegar a lugares e a fazer feitos que nunca
sequer foram imaginados, a física contemporânea, sobretudo não possui razão
para não ser chamada de magia, já que o discurso dominante (naturalmente
possuímos lampejos contrários, desde Heidegger a Crowley, desde Huxley a alguns
departamentos de humanas nas universidades do mundo afora) não vê
impossibilidades nos grandes —e de fato grandes— feitos
científico-capitalistas. Nos dias de hoje a massa configura-se como favorável
ao progresso técnico da humanidade, sendo que os avanços do progresso
configuram-se como as sazonais boas novas que todos aguardam para chocarem-se o
quão pouco “civilizados” éramos antes da mais nova invenção que acabara de ser
criada.
A racionalidade
moderna, capaz de literalmente mover montanhas, de voar, após resolver o
problema da pedra filosofal e transformar ferro em ouro (apesar do
processo ser mais caro que a extração
deste ultimo) também configura o palco onde ocorrem as relações interpessoais
mediadas por coisas, pelo valor de troca e pelo estranhamento do trabalho pelo
próprio trabalhador: no processo da divisão do trabalho (inspirada pela
sugestão do método cartesiano ‘o de dividir cada
uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e
quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las ‘)o sujeito sofre com
a crescente especialização e fragmentação do processo de trabalho que também
significa a fragmentação da própria subjetividade, o trabalho é redimensionado
a um exercício mecânico e repetitivo, mesmo nas universidades a publicação
compulsiva e maquinal de milhares de papers e mestrados insossos, onde quem os
publica não sabe bem o porque, sendo que o próprio hábito de publicar tais
textos não passa de um trabalho remunerado repetitivo feito por um assalariado,
um proletário das ideias, em diversas universidades do pais e do mundo é a
prova disto. O homem reificou-se, tornou-se coisa, uma coisa cartesiana, vale
dizer, donde depreendemos a extensão e a forma, uma coisa newtoniana que
podemos lançar no espaço e prever sua velocidade, uma coisa capitalista, que
como qualquer coisa, pode transformar-se em mercadoria (a força de trabalho) e,
como mercadoria, é passível de ser trocada por um valor abstrato que serve de
referência nas transações comerciais modernas: o valor de troca.
Descendo
aos porões do edifício do cógito encontramos ainda algo que passou
desapercebido a filosofia europeia ou foi, de certo modo, deixada de lado.
Quando diz-se que os homens se reificam, estamos já em uma dupla decadência:
nem mesmo a coisa coisificada serve como coisa, a coisa coisificada coisifica o
homem, transformando-o em uma mercadoria pelo que ele pode oferecer — no caso do proletário — sua força de trabalho, aí, então, se dá o
apogeu da pobreza ontológica e metafísica da humanidade e esta face é, em
linhas gerais, conhecida. A outra face da coisificação não o é, que é a
coisificação das coisas.
Os
relatos e as materialidades restantes do mundo antigo grego, o mundo
pré-invasão da “américa latina”, o mundo oriental antigo, os relatos que temos de tribos mais ou menos
isoladas nas poucas florestas restantes pelo mundo afora aponta-nos para uma
existência tão diversa que não nos parece somente um povo diverso ou uma
cultura diversa existente em um espaço diferente, ou, ainda que um próximo
múltiplo, o que parece-nos, se observarmos os relatos com atenção é que tais
povos localizam-se em outra dimensão, em um outro mundo e um outro universo. Estes
mundos são um desafio para a racionalização do intelectual “sério”, como este
intelectual é extremamente grosseiro, encara-o como mito e estuda-o como mito,
encara como se os índios carregassem palha sob suas cabeças. Florestas que
falam, entidades que se manifestam, uma criação do universo fantástica, magia e
meditação, transcendência e nirvana são, para a consciência moderna, não só
impossibilidades, mas algo com as quais o “homem sério” contemporâneo sequer
debruçar-se-ia respeitosamente sobre elas para que pudesse pensar: ele está
muito ocupado ganhando dinheiro.
A
natureza que fala é tida como pertencente a uma cultura vencida e superada. No
entanto, ainda admiramo-nos sobremaneira com o modo de vida destes mesmos povos
antigos “superados”, ao menos com os gregos, a cultura mainstream nutre
profundo respeito e admiração: nem mesmo o proletário intelectual critica sem
ressalvas o Fédon ou a Política de Aristóteles, a mitologia grega é tida como
fonte de profunda e eterna inspiração, desde o mais antigo filosofo a Freud,
Heidegger ao mais medíocre acadêmico. O Esclarecimento capitalista luta para
compreender a complexa relação dos antigos com os deuses, e onde ele queda
derrotado diz-se que não podemos ser anacrônicos, afinal de contas aqueles
povos ainda estariam na época dos deuses e da natureza animada. O materialismo
e a História (que será discutida mais adiante) não conseguem compreender o
mundo destes povos não somente porque as categorias que lidavam eram outras,
mas porque muito provavelmente eles lidavam com a menor parte de seu mundo.
“Mas como se escavamos suas manifestações artísticas, lemos seus sábios, seus
filósofos e seus sacerdotes? Como se nós somos o povo que veio deste povo? Como
podemos ser tão pequenos e baixos próximos a grandeza e excelência, próximo a
sua cosmologia e a cosmogonia de seus imensos mundos vivos e vívidos? Deve ser
porque eles vivam em ilusão e nós descobrimos a verdade. Nós descobrimos o
mundo pleno, morto e maquinal, o resto é ilusão” um especialista em qualquer
coisa poderia se perguntar, ainda que tentando disfarçar seu excesso de
bílis... De qualquer modo, sinto-me na obrigação de dizer que a cosmologia
indígena é tão real e tão efetiva, a seu modo, quanto a lei geral da gravitação
universal. Nossas categorias mais primárias estão tão colonizadas a ponto de
impedirem de acedermos a qualquer cosmologia diferente da ciência moderna ou da
filosofia europeia.
Não
podemos salvar os modos de vida que foram perdidos e escondidos da humanidade,
no entanto, podemos salvar parte das praticas e conhecimentos que eram centrais
nestes modos de vida, tais praticas permitem não só um maior entendimento de
como se dava a cosmologia destes povos, mas também como se dava sua ética, sua
ontologia e sua metafísica, anacronicamente falando. Refiro-me a ayahuasca, o hicuri
(peyote), os nonda, o teonanacatl empregado pelos astecas “a carne de Deus”,
entre outros milhares que eu sou incapaz de enumerar, destacam-se já entre os
mayas as pedras-cogumelo e, mais modernamente, a figura de Maria Sabina. Acalme-se
leitor, teremos uma seção dedicada somente a isso. Por hora resta-me dizer que
a História e as tentativas filosóficas de compreender o mundo indígena são
infrutíferas não porque se inclinam de modo pouco cientifico ou inteligente
sobre o que pensam ser o universo indígena, mas que se inclinam sobre a menor e
menos importante parte dele.
Grande
parte das tentativas antropológicas são infrutíferas não porque não se inclinam
sobre a maior parte do mundo indígena, mas porque se negam a entender que a
categoria que tenta “entender” o mundo indígena já é absurda. Resta, então,
somente o mergulho neste mundo. Quantos homens seriam capazes, como no passado,
de esquecerem-se do Homem para mergulharem no índio? Quantos proletários
intelectuais de hoje esqueceriam sua língua nata? Nenhum, porque nenhum de fato
mergulha nos índios, o que fazem é tentar entende-los. É dever do filosofo
latino americano tornar-se ininteligível. O que persigo é o mergulho, o resto é
masturbação intelectual.
Capítulo 2 – Teses contra a História
Por muito tempo, inclusive na filosofia clássica grega,
na filosofia indiana, na filosofia chinesa
e na filosofia indígena, não havia o conceito de História. O que havia
era um passado que confundia-se com o mito, um mito que se confundia com o
passado, no entanto temos aqui as figuras que Hegel, por exemplo, dá grande
destaque: Platão, Aristóteles, e , de modo mais tímido, os pré-socráticos. Após
a ascendência das filosofias da História e da ação —levadas a cabo por
hegelianos e marxistas— torna-se cada vez mais rarefeito o discurso ahistórico
e a falácia de que a história está em tudo, de que é necessário
“contextualizar” o autor em seu tempo toma lugar e, consequentemente, essa
disciplina “científica” passa a dominar a filosofia com tal força que pensa-se
ter superado a metafísica, pensa-se não numa descrição objetiva dos fatos, mas
numa história onde todos podem adentrar em seu debate —naturalmente todos que
possuem o logos greco-europeu — e que todos devem e são incluídos, mesmo que
não queiram ou assim não compreendam.
A História aproxima-se do mito ao tentar narrar e
explicar o acontecimento ou o desenrolar dos fatos, no entanto (quem diria!)
mostra-se mais limitada que os mitos ao tentar narrar a gênese dos fatos
primevos e, ao tentar construir tais fatos, aproxima-se ainda mais do mito e da
metafísica, que ela tentava, por ser “investigativa”, não metafísica e
científica neste sentido, ridicularizar e rechaçar[5], destaca-se aí por ser o
mito dos mitos pois, ao tentar “explicar” a gênese das coisas e falhar
fragorosamente (posto que só consegue justificar no que é “dado”, tendo de
apelar à metafísica não só para “contar” fatos, ou seja: para visualizar os
“fatos”, o tempo[6],
então escolher os “fatos” “importantes” em uma realidade múltipla, mas ao
emprestar dinâmica e significado a eles, deve apelar a metafísica novamente[7]), transforma-se apenas em
um grande compêndio de mitos que apresenta um mito principal que tenta
“explicar”, ou contar todos os outros. A
própria dinâmica da História, seu movimento, sua evolução, de onde veio e para
onde vai, sua tentativa tosca de concatenar “fatos”, sua “explicação” ou até
mesmo seus “fatos” já são demasiadamente metafísicos e míticos, posto que estas
“explicações” são pouco “científicas” a História seria mais limitada que os
mitos, pois falha em seu intento de deles se distanciar. A História é muito
mais uma justificação, uma racionalização do irracionalizável do que uma
“explicação”, ela é personalização do mundo, assim como tudo que é cultural.
Alegar a onipresença da História é apenas deslocar o “alfa e o ômega” às
questões “não-metafísicas” pois tudo é passível de ser lido como presente, como
estando-ali (Deus, tempo, metafísica, política, leis da natureza, o Ser, o Nada
,...) a partir do momento que o homem se externaliza para então se
reconhecer, visualiza a sua leitura
“estando-no-mundo”, visualiza somente a si.
Porque acredita que a “verdade” ou a “realidade” brota diante dela,
muitos apresentam a história como fundação de seu pensamento e a definem como
realidade, sem discussão prévia, essa “realidade” que a História — aqui mito
dos mitos — reclama para si é a mesma que a ciência reclama para si. Não são,
portanto, os “fatos” isolados que ela persegue, assim como não são os átomos
que a ciência procura, mas a relação entre eles, denunciando seu medo (e sendo
isso também a origem dela) não só no que será, mas no que foi, seu medo de que
as coisas não tenham o “sentido” humano, e quando digo “sentido humano” caio em
óbvia redundância. Seu medo de não deixar nada fora dela, largado. Assim como a
História é aquilo que justamente pretende tomar distância, também o “anjo da
História” não é um anjo, é um demônio, se pensarmos em seus termos, ele
distorce o criado, como uma nova religião ou, em sua concepção, o “distorcido”,
tenta esclarecer figurando como mais do mesmo, a “emancipação” do mito que se
entende como esclarecimento mas que continua mito. Este demônio também não é um
demônio, não possui poderes, nem mesmo a onipresença, de anjo para demônio —
como nossa época dessacraliza e mata todas as coisas... — este demônio é um
homem.
A perspectiva histórica apresentada para explicar a
invasão da América do Sul, por exemplo, é uma ótima maneira de europeizar o
entendimento latino americano do mundo, aos intelectuais que pretendem
compreender os índios estudando principalmente história dou meu aceno! Enquanto
estou em terra com índios “selvagens” fica difícil vê-los aproveitando a carona
das caravelas de volta para a Europa. Neste ponto aquele que pretende absorver
as categorias dos índios sem tentar compreendê-las (já que compreensão é algo
histórico marcadamente europeu e tão absurdo quanto o não "compreender” e
o viver indígena) mostra-se muito superior
àquele que pretende compará-las com a filosofia padrão européia. Isto soa
mal, assim como um estrangeiro que procura as palavras de uma língua num
dicionário de tradução ao invés de compreende-las como algo vivo. Que pretende
entender a língua do outro a partir da sua língua.
A menos que consideremos que sejam inatos, ou prévios o
tempo, a ideia de causa e efeito, o que seja uma “causa” e o que seja um “efeito”,
não temos razões para nos apegar a ou somente a perspectiva Histórica, ela é só
mais uma metafísica assim como a serpente emplumada ou a cultura que brota e
gera o ayahuasca. No entanto ela (a História, como categoria) pode ser
frutífera, para apontar os dedos aos vândalos que vieram da Europa, aos
vândalos culturais, para fazer filosofia ou para construir pontes, quem sabe.
Uma indenização brutal seria o caso de ser aplicada à Europa, juntamente com a
mudança de seus livros de História e dos nossos, que a América Latina fosse
aceita como existente, e portanto, digna de ser estudada. Mas ainda estamos
demasiadamente colonizados para isto.
Capítulo 3 – A Consciência e
a ebriedade como condição básica de pensamento
O vazio e o nada são duas formas metafísicas que foram
subestimadas em todo o ocidente em relação ao Ser. É sobre Ser que o grande
Aristóteles trata e também o Ser é a matéria de pensamento de Heidegger, o
filósofo da floresta negra. Não seria diferente com uma tradição ocidentalizada
ao tocar na questão da consciência e da cognição.
O
pescador megalomaníaco pensa que o céu azul é uma extensão inalcançável do mar
(como também tudo o que “há”), se ele fosse rei, certamente mandaria erguer
varas gigantes voltadas para o “mar de cima” para pescar os peixes brilhantes
que saem de suas tocas à noite, ao invés de construir telescópios, logo, já que
não conseguimos resolver o problema, por que não tentamos olhar na perspectiva
do ar que imita o vazio e o nada ao invés da perspectiva da água que a quase
tudo se molda e adapta e poderíamos aqui, chamar de Ser? Que complexa e
maravilhosa questão! Minha mente é invadida por flashes de memorias, chego-me próximo
ao telescópio e me lembro que já sonhei que fui um índio misterioso, com um
passado totalmente diferente deste agora! Com um presente igualmente distinto e
um futuro, vamos dizer, selvagem.
Acordei sobressaltado! Que sonho absurdo! Logo devo ocupar-me com as
obrigações diárias, lembrei-me que havia dormido, e lembrei-me que, durante o
sono havia me esquecido de minha vida atual. Oh mente! Por que me torturas com
este sonho maravilhoso enquanto arrasta-me para esta vida medíocre? Será
justamente por este propósito que te chamas ... ‘mente’? Talvez o que seja
essencial seja bem menor do que a minha pessoa...
Naquele
momento de delírio o que era eu, ou melhor, qual era a minha identidade
cósmica? Certamente minha consciência. Mas e minha consciência da minha
consciência? Esta maravilhosa dobra sobre mim mesmo! Este desenvolvimento
Agostiniano-cartesiano, ou quem sabe ainda anterior? Esta afirmação de mim não
me interessa agora, pois é muito possível imaginar aquele que recebe impressões
e não se atém a si mesmo, no entanto é impossível pensar aquele que recebe
impressões sem poder recebe-las, ou seja: sem a consciência . Fixo-me no que é
essencial, para guerra e para os pobres a perspectiva é sempre a mesma:
mantenha-se vivo, coma, respire e beba, o resto vem a partir daí.
Como
pude perceber-me em uma situação completamente distinta se minha identidade,
como pessoa, mudou? Hoje sou um estudante de filosofia insignificante, em
sonhos, era um índio belo, com uma mata inexplorada pela frente, o sol brilhava
e as plantas frutíferas eram abundantes. O que ocorre é que nosso cérebro não é
uma máquina como querem entender os cientistas da computação de hoje, enquanto
a memória da máquina digital acumula zeros e uns, nada ou tudo, não fluxo de
corrente e fluxo de corrente, dados, enquanto podemos ampliar uma foto no
computador até o infinitésimo detalhe ou ainda que não seja, até o último
pixel, nosso cérebro não assim procede e funciona: quando lembro-me de algo,
lembro-me não de dados, mas de vontades. Quando penso em minha amada, penso
nela rindo, penso em seu perfume e nos momentos que passamos juntos, a memória
é quase um ser vivo. Minha amada no computador é uma foto, em minha memória
não. Se discutir com ela hoje, as lembranças em minha mente mudarão de figura!
Porque memória orgânica é muito mais complexa que a digital, e é complexa a tal
modo que diferencia-se não quantitativamente, mas qualitativamente. Ainda que
possa fazer experimentos matemáticos em meu pensamento devo lutar de modo
brutal contra minha vontade de projetar vontade e no final, perco tal batalha,
deitado, em frangalhos sob o chão largo minha arma e descubro que a vontade da
matemática é uma: “objetividade”, “frieza”. Assim sendo, a posição básica do
ser humano já é a psicodelia, ele se droga com pensamentos, impressões que podem
ser estimuladas por coisas “externas” a ele como o medo de algo, a alegria por
um acontecimento. O homem é um ser psicodélico, o resto vem a partir daí.
O
vazio representa a própria consciência na medida em que ela é ausente de
conteúdo, a consciência é a forma pura, é a identidade cósmica, pois não possui
“memória” nem personalidade per se, somente a consciência é o que permite que
existam dois seres com as mesmas “memórias”, e o mesmo corpo e que, além da
diferença de localização do espaço possam ser ainda diferenciados por dois
seres distintos por possuírem diferentes consciências. O nada por outro lado, é
o que pode permear a consciência pois, não sei se sou várias pessoas diferentes
com a mesma memória no mesmo corpo (pois possuímos a mesma memória mas não a
mesma consciência, a mesma identidade cósmica, ou seja, nossas identidades
podem estar em constante aniquilamento, nadificação) ou se nos momentos em que
não me lembro de algo eu simplesmente não me lembro ou não estava sendo minha
identidade cósmica, se ela estava “desligada” (como quando nos encerramos em
nós mesmos, não estávamos pensando, ou não nos lembramos que pensávamos?). A
esses impasses dei o nome de Niva (união das palavras nada —nihil— e vazio —
vacuum—em latim) que quer exprimir estes impasses de consciência, pois não sei
se naquele momento eu (eu ou pessoa= consciência+memória+corpo) existi (se
minha memória e minhas funções de consciência estavam ‘ativas’) ou se era puro
vazio de consciência.
O
que chamamos de pessoa é um composto de manifestações.
Capítulo 4 – “Drogas” (?)
“—Isso
é agradável?
—Nem agradável, nem
desagradável. Apenas existe.”
Huxley, As Portas da
Percepção
A percepção acerca da postura do mainstream
sobre a questão das ditas “drogas”
“Drogas
fazem mal, o que é droga, deve ser combatido e tratado, menos aquelas outras
drogas, que não são drogas, são remédios, e aquelas outras que não são drogas,
são ‘lubrificantes sociais’” , reza o conservador. A cruzada protagonizada por
Nixon que iniciou-se em 1971, e espalhou para as diversas classes sociais o
mito da sociedade sóbria, isto pode ter sido um “tiro no pé” da humanidade.
O colonialismo e o imperialismo, a globalização e o
extermínio indígena não são somente o — efetivo — extermínio dos povos tão bem
descrito pelo Frei Bartolomeu de las Casas e Dee Brown que se estendeu de
maneira brutal de 1500 (no caso dos sul americanos) até os dias de hoje. Tem-se
a cultura indígena ou qualquer cultura que é
alternativa a grande massa modernizada como superada e perniciosa ao
progresso do país, e tudo o que nela há é tido como ultrapassado ou, na melhor
das piores hipóteses, vendável em forma de produtos para a indústria cultural,
na forma de um índio não só idealizado mas moldado ao interesse da grande mídia
que necessita de uma espécie de herói romântico que defenda a natureza e o Bem
(naturalmente um Bem vazio, no sentido vago e pernicioso de vazio).
Enquanto o cinema, o romantismo brasileiro e a cultura
mainstream idealizam o índio imprimindo nele um romantismo tosco e vazio,
chegando, quanto maior a decadência cultural, a uma caricatura do preguiçoso,
ou senhor de uma impossível ingenuidade ou ainda um ser transcendente que não
estaria ligado as consequentes mazelas do mundo moderno, como uma manifestação
da natureza poderosa, bela e infinita que os homens modernos há muito abandonaram
mas com ela sonham como um retorno freudiano à casa dos pais.
Com essa excessiva mercantilização da imagem da cultura
indígena esqueceu-se de se debruçar sobre ela mesma, deste modo, não se vê que
o índio possa ter importantes contribuições não só acerca de seu conhecimento
das plantas que possuem princípios ativos que interessam multimilionária
indústria farmacêutica, como querem os empresários, mas também para os campos
da moral , ética, metafísica, ontologia, teoria do conhecimento, estudos em
antropologia, filosofia, sociologia, religião e tantos outros. O verdadeiro
extermínio indígena é o extermínio de sua cultura e hábitos através de uma
relação unilateral de modernização do índio, um esforço pronunciado em
“introduzi-lo a civilização”[8], como se fosse possível
estar fora dela. De qualquer modo os hábitos indígenas, como por exemplo as
substâncias psicoativas por eles usadas foram por muito tempo proibidas, após
esse período, restringidas somente à civilização indígena, continuou ocorrendo,
com esta medida aparentemente “liberal” , um ostracismo do indígena com o
restante da população brasileira, foi somente a partir da década de 1980 que o
Santo Daime, religião sincrética que une basicamente o cristianismo e os ritos
da ayahuasca encontrou difusão mais
popular dentre os brasileiros.
A
transcendência na bioquímica
O que é um fenômeno químico e o que não é? Como se pode
saber se um fenômeno é químico ou se é também uma outra coisa? Usar substâncias
enteógenas não comprovaria a primazia do material sobre o espiritual? Alan Watts
em seu artigo “A Nova Alquimia” pensa que “(...)Recentemente, a química moderna
conseguiu preparar uma ou duas substâncias que, em certas circunstâncias, ao
que dizem, produzem estados mentais muito semelhantes a consciência cósmica.
Esta afirmação é profundamente perturbadora para muitas
pessoas. De um lado, a experiência mística seria fácil demais se dependesse do
conteúdo de um frasco e, principalmente, estaria à disposição de pessoas que
nada fizeram por merecê-la, que não jejuaram, não rezaram, nem praticaram o
yoga. Por outro lado, semelhante afirmação poderia implicar que a intuição
espiritual nada mais é, afinal de contas, do que um caso de bioquímica — o que
reduziria completamente o espiritual ao material.
(...)As circunstâncias nas quais o padre, em virtude de
sua função, transforma as espécies pão e vinho em corpo e sangue de Cristo
ex-opere operato, repetindo apenas a fórmula da última ceia, não são
radicalmente diferentes da situação do químico que pode conseguir transformar o
cérebro repetindo ponto por ponto a fórmula de uma experiência. O valor relativo
dos dois gêneros de transformação deve ser julgado segundo seus efeitos. Sempre
existiram algumas pessoas sobre quem os sacramentos do batismo da comunhão
jamais ‘influíram’ e que nunca foram de fato reformadas. Assim, também, nenhum
destes produtos químicos que conseguiram transformar a consciência é,
exatamente , uma experiência mística contida num frasco. São numerosas as
pessoas que experimentam a droga e que sentem apenas um leve êxtase sem
intuição, ou as que têm uma desagradável experiência de sensações confusas e de
fantasmas.
Um produto químico deste gênero estaria na mesma
categoria do telescópio, do microscópio e do espectroscópio — quer dizer, entre
os instrumentos que ajudam na percepção — com a diferença que ele não é um
objeto exterior e material, e sim a ocasião de encontrar um determinado estado
interno no sistema nervoso. Cada um desses instrumentos, para poder funcionar, supõe não somente um anterior
aprendizado do seu manejo, mas também um conhecimento do campo a ser estudado.
Só estas considerações deveriam bastar para demonstrar
que tais produtos químicos não reduzem a intuição espiritual a uma simples
questão de bioquímica. Além do mais, mesmo quando é possível descrever certos
acontecimentos com a ajuda da química, não é necessário que tais acontecimentos
sejam unicamente químicos. Uma descrição pela química de uma experiência espiritual
seria tão útil (e teria as mesmas limitações) quanto a descrição, por meio da
química, de um quadro conhecido. Não é difícil fazer uma análise química das
cores, e esta analise, provavelmente, teria certo interesse para o pintor e o
conhecedor. Poder-se-ia também fazer uma descrição em termos de química, de
todos os processos fisiológicos que funcionam enquanto o pintor trabalha, mas
esta análise seria por demais complexa. Por que, então, nos incomodarmos com
semelhante método, quando podemos descrever e explicar com mais eficácia os
mesmos processos, servindo-nos de outra linguagem? Diremos que um processo é
químico apenas quando a terminologia química for o meio mais eficaz para
descrevê-lo. De maneira análoga, alguns dos produtos químicos pretensamente
‘psicodélicos’ permitem ouvir boa música assim como um piano de marca superior
permitirá que a peça seja tocada em melhores condições; esses instrumentos
facilitam a audição e a execução dessa musica, mas não fazem o trabalho
sozinhos.”
Ou seja, isto abre para a posição de Timothy Leary[9] em que são colocados dois
fatores para a experiência psicodélica: a disposição e o dispositivo. A
Disposição diz respeito ao “estado de espírito” da pessoa que faz a
experiência, seu humor, suas esperanças, memórias, receios e desejos, a
atmosfera física e emocional da localidade, suas companhias. É um fato
conhecido que as experiências psicodélicas podem desencadear, entre outras,
experiências religiosas, estéticas e terapêuticas reguladas pela disposição e o
dispositivo. O dispositivo, como o leitor deve já imaginar, diz respeito à
substância, seja ela mineral, vegetal ou animal ou até mesmo outro veículo
(sonoro ou aditivo) que, em contato com um determinado tipo de animal (no caso
dos gatos temos a Nepeta sp, a erva do gato; inócua em humanos) se gera uma
alteração de consciência. Naturalmente é de se imaginar que se torna bastante
difícil, se nos debruçarmos sobre a questão, diferenciar dispositivo de
disposição, mas, se não for uma distinção real, ao menos é útil.[10]
Entre
os índios sul americanos, o LSD e “drogas” miméticas
Assim como a academia é capaz de formar especialistas que
acreditam que Nietzsche é um filósofo da História, Marxistas que são
conservadores em seu método e estudiosos do deus Dioniso que, por exemplo, não apreciam vinho, nem bebidas alcoólicas, teatro ou música e são capazes de
fazerem uma exposição completamente cartesiana de um tema que é desmesurado per
se e serem, eles mesmos extremamente comedidos frente aos outros. Naturalmente,
este fato é risível, fica como um “o senhor é um impostor em tua própria carne”
no ar. Àqueles outsiders, que estudam a filosofia não-oficial, não são permitidos
os mesmos vícios acadêmicos. Filósofos da América Latina que estudem a
filosofia e “cosmologia” indígena não podem não entrar em contato, não podem
não experimentar, em si mesmos , aquilo que figura como um dos pontos centrais
do índio, que figura como sua realidade. Não podem ser capazes de falarem duas
horas sobre sua cosmologia, metafísica e moral sem ao menos terem experimentado
de onde surgiram estas categorias, e de onde elas retornam para mais se
desenvolverem.
Imagine um ser que é extremamente inventivo e se entende
em um determinado ambiente. Este ser se alimenta, não só cria costumes
relativos a alimentação como ao sexo, Pode guiar-se por um sentido específico, a
visão, o olfato, a audição, o tato ou o paladar. Ele se organiza de algum modo
e, então, neste seu processo de vivência, quando passeia por seu ambiente come
um determinado alimento e passa a sentir, pensar e enxergar de uma maneira nova
e inusitada, aqui ele escuta, vê, cheira, e descobre combinações novas de
sentidos e, quem sabe, novos sentidos, este plano rapidamente passa a servir
como integrante indispensável nos ritos de sociabilidade, como este é um plano
tão específico e que somos incapazes de a ele permanecermos indiferentes, como
sempre se aprende sobre nós mesmos todas as vezes que ele é acessado, ele não
só tomado por uma realidade: ele é o plano mais real. Quando Elliade nos diz
que “o homem religioso tem necessidade do real” creio que é a isso que ele se
refere: o real não é claro como cristal, os planos de existência também não.
Dizer para um índio que a ayahuasca é uma ilusão irreal é como dizer para um
ocidental que o que estiver a leste do meridiano de Greenwich não é real, que a
Televisão não é real porque lá admiramos imagens “sem materialidade”, ou que a
China não é real porque não conseguimos compreender como funciona, exatamente,
sua organização econômica. Primeiro, está claro, opta-se pela a irrealidade de
algo, depois a justificamos.
Longe de ser real por ser necessariamente “agradável”, ou
por gerar prazer, muitas vezes a ingestão desta planta, ou cogumelo ou animal
(como exemplo, o famoso Sapo Cururu —Bufo alvarius—) é extremamente dolorosa e
desagradável, o uso de tais substâncias não se configura, necessariamente, como
uma “fuga do sofrimento” ou “fuga do real”, muitas vezes a ingestão dessas
substância têm a finalidade de gerar sofrimento[11], a ingestão dessa droga
tem como fim conhecer o real. Não há “fuga do real” porque a categoria de
realidade como algo separado da “alucinação” sequer era conhecida, ela não é
natural, quando atingimos ‘efetividade’ não há uma comunicação com o universo,
com uma confirmação de que ‘acertamos nas suas pistas’ de ‘leis naturais’, como
diria Nietzsche “Toda regularidade que tanto nos impressiona na trajetória dos
planetas e no processo químico coincide, no fundo, com aquelas propriedades que
nós mesmos introduzimos nas coisas, de sorte que, com isso, impressionamos a
nós mesmos”.
Entre os mayas, restaram a nós algumas pedras de mais ou
menos 30 ou 35 centímetros, que podem ser de uma base retangular somente ou de uma base adornada com um
personagem ou animal.
Colocado por entre
a base retangular e a base do chapéu do cogumelo, simbolicamente tem-se ,
segundo Emile Folange, uma posição “entre o pólo celestial e o pólo terrestre ,
a personagem da escultura antropomórfica se confunde com o pé do cogumelo. A
volta da cabeça e como que para sublimar sua situação eminentemente central, um
sol chamejante forma um nimbo. Estamos certamente diante de uma representação
do “Filho do Céu e da Terra”, do mediador por excelência, que na época das
antigas civilizações exercia a dupla
função de pontífice e soberano”. O involucro e a base da pirâmide, continua o
autor, lembra as bases das pirâmides do antigo México e de outras partes cuja
simbologia se assemelha estreitamente ao
cubo. Enquanto a arquitetura cúbica é a visão estática do polo substancial, a
estrutura piramidal refere-se ao processo involutivo da manifestação, cujo
distanciamento progressivo se efetua no sentido de uma quadratura crescente. É
interessante observar que os Mayas já percebiam nos céus este abaulamento dos
céus da Terra, característico de estruturas esféricas.
O culto dos teonanactl é extremamente antigo. As
evidências levam a crer que a “beberagem
da imortalidade” era um preparado extraído da polpa do peyote, cujo
principio ativo é parente do LSD 25[12], e das folhas da
“pastora’, era, portanto, um coquetel. A respeito do LSD 25, Hoffman já alega,
que ele não teria sido o descobridor do LSD, ele foi, certamente o descobridor
da forma isolada e farmacêutica, no entanto, o LSD e suas formas miméticas (substâncias
que possuem a configuração da molécula e efeitos similares) são usados a
milênios pelas comunidades humanas e, pasmem (ou nem tanto, se o leitor já teve
o prazer, o medo, a descoberta e a honra de fazer uso da substância) “ela é
utilizada sempre em contextos ritualísticos”, defende. “Nunca pensei que uma
droga com tais efeitos teria sido popular” e, de fato, foi. Quando o LSD 25
“vazou” para as ruas, quando começou a ser
usado, causou um boom cultural, um desejo, segundo Timothy Leary, de uma
“renascença espiritual”[13]. Teria sido esta
realidade paralela, cujo os efeitos e a menor parte da mudança causada no
indivíduo são possíveis de serem descritos pela História, que é responsável
pelas coincidências encontradas no profundo espiritualismo Hindu e o Sul
americano?[14]
[15]Os Hindus, inclusive
figuram como um povo que não só estudou
profundamente a mente e o universo como o fez sob o efeito substâncias,
como é o caso dos Sadhus , que o fazem o efeito do haxixe, derivado da cannabis
ou “maconha”, e inclusive para eles, a realidade que é vista fora do efeito
desta substância é inferior ou até menos real, o que se assemelha bastante a
interpretação dos indígenas acerca do mundo e encontra resistência no
racionalismo ocidental que se manifesta de diversas maneiras, tanto na ciências
naturais como sociais e na filosofia.
As
cosmologias mágicas, especialmente a Maya e a Védica possuem comunicações
similares. Poderíamos explorar essas configurações em termos de axiomas comuns?
É sabido que na Índia hão cogumelos com substâncias miméticas às da América do
Sul. Provavelmente seu estudo sério geraria novas filosofias e ciências.
O
Efeito comum, um axioma?
Sob o LSD, um único pensamento pode se ramificar em uma
vasta hierarquia de subpensamentos, todos conectados, mas de maneira muito
complexa e sutil para descrever. Cada ramificação torna-se inconstante, uma
amalgamada e elaborada rede. A tradução em palavras consegue transmitir apenas
alguns esparsos, quebrados fragmentos. Sidney Cohen[16], assim como Huxley,
defende que este alto nível de associações as quais são evidenciadas na
experiência psicodélica, são correntes e ocorrem o tempo todo. A questão é que
o cérebro filtra este turbilhão de pensamentos , o LSD e suas drogas miméticas
são capazes de cessar este turbilhão associativo, o filósofo de Cambridge,
Dr. C. D. Broad, defende que “ será bom
considerarmos, muito mais seriamente do que até então temos feito, o tipo de
teoria estabelecida por Bergson, com relação à memória e ao senso de percepção.
Segundo ela, a função do cérebro e do sistema nervoso é, principalmente
eliminativa e não produtiva. Cada um de nós é capaz de lembrar-se, a qualquer
momento de tudo o que está acontecendo em qualquer parte do universo. A função
do cérebro e do sistema nervoso é proteger-nos, impedindo que sejamos esmagados
e confundidos por essa massa de conhecimentos, na sua maioria inúteis e sem
importância, eliminando muita coisa que, de outro modo, deveríamos perceber ou
recordar constantemente, e deixando passar apenas aquelas poucas sensações
selecionadas que, provavelmente, terão utilidade na prática”. A teoria pode ser
pensada também como o cérebro contendo um turbilhão de percepções gerada pela
sua própria capacidade de cognição. Como defende Huxley, o espaço está lá, mas
perde sua primazia: a mente se preocupa menos com medidas e lugares e mais com
existência e significado. Aparentemente
o homem aparece invertido: enquanto na vida cotidiana interessa saber a
distância da casa ao trabalho, o preço do pão e da margarina e o horário de um
determinado compromisso, sob o efeito da substância todas essas questões são
ridículas (o que explica parcialmente as crises de riso que se desencadeiam
quando se lembra das “antigas” obrigações).
A questão é que, sendo uma ação física, espera-se que, nos
corpos físicos, o fator alterador de consciência (que neste caso é um agente
químico) possua, nos corpos, um efeito
constante, desse modo, tendo a mente, sendo material ou imaterial, uma ancoragem no cérebro, ela é capaz de
responder de forma múltipla, mas ao
mesmo tempo mantém uma constância geral.
De maneira geral, o contato com o LSD e o Ayahuasca[17] é extremamente
subversivo. Ambas as substâncias são descritas como possuindo efeitos
similares: o DMT é uma importante substância química, que age no background do
fenômeno dos sonhos e ,por isso é capaz de gerar as famosas mirações, “visões” ,
como num sonho, mas em plena vigilha. O LSD, por sua vez possui, documentado,
diversas reações, entre elas desejo destacar duas: uma que parece-me importante
para o desenvolvimento artístico, filosófico e científico, a outra, que
considero importante para o desenvolvimento moral e de uma ética, mais
especificamente de uma ética negativa.
O
primeiro desdobramento é a descoberta de novas capacidades efetivamente reais, ou
a liberação de uma capacidade que estava repreendida por alguma ação psíquica,
o surgimento de grandes ideias ou de habilidades é largamente relatado, dentre
um dos mais impressionantes, encontramos o relato de um homem que teve um
desbloqueio tamanho em suas faculdades psíquicas que ganhou uma nova
habilidade, aqui vai o relato:
“Outro
fato, raro, aliás, do qual registramos um caso, juntamente com o Dr. P.
Thénevard, concerne à aquisição, após a
prova, de uma qualidade que o paciente não possuía anteriormente e que ele
registrou depois. A observação aplica-se a um experimentador, M.E., que foi
submetido a seis ensaios sucessivos. Durante a terceira sessão, sentiu de
repente vontade de desenhar, o que realizou em condições cada vez mais
satisfatórias, quando antes não havia manifestado nenhuma disposição dessa
natureza. Primeiro seria uma ave de rapina estilizada, com suas garras .Ele
traça as ondas do mar. Esquematiza numa linha dupla o ziguezague do rio. Com
dois traços, representa o túmulo do Imperador — reminiscência dos Invalides.
Após a quinta experiência, dedica-se à espiral atingir o funil, que se torna
uma obsessão. Depois exprime o desejo de pintar. Dão-lhe tintas e pincéis. Ele
rabisca. A princípio serão sinais heráldicos, até o typha dos egípcios, depois
uma silhueta de galo[18], com esporões
proeminente. Meses mais tarde, sente, bruscamente, em seu estado normal, uma
espécie de impulso imperativo que leva, a partir do galo da experiência, com
seus esporões a desenhar no muro do quarto um Cristo, extraordinário pelo traço
e pela firmeza, Adão e uma Eva de linhas incompletas, mas harmoniozas; aparece
— ainda — a silhueta de um galo digno de um artista. Assim, a experimentação
psiloscibiana conduziu o paciente a uma aquisição surpreendente: não se trata
apenas de uma recordação ligada à ação da droga; é a tradução imprevista de um
talento que ela fez fazer. Mas tradução momentânea, logo desaparecida, pois o sujeito
não conservou depois esse poder nascido depois esse poder nascido da prova.”[19] O ganho de habilidades
artísticas e de grandes insights com o Peyote e o LSD configura como algo
conhecido entre seus usuários.
O
segundo desdobramento se mostra extremamente interessante. O contato com o LSD
aparentemente gera uma percepção existencial de tudo o que nos cerca, muitos relatam
que entenderam que todos deveriam estar carregados de profunda humildade devido
a nossa condição humana, outros sentiram-se inseridos em uma peça onde cada um
exerce seu papel, o relato de ambas as sensações é EXTREMAMENTE comum,
aconteceu até para este aqui, que vos escreve, Huxley conta que exclamou, após
apresentarem um quadro de Cezanne a ele:
“ —
Que pretensão! Quem ele pensa que é? — Essa exclamação, eu não endereçava a
Cézanne, em particular, mas a toda a espécie humana. Quem pensavam que todos
eles eram?
(...)
Feliz
ou infelizmente(dependendo do significado da palavra) todos nós exageramos ao
viver o papel de nosso personagem favorito. E o fato quase infinitamente
improvável de se tratar de Cézanne, de pouco lhe valia. Pois o renomando
pintor, com seu pequeno conduto para a Onisciência a burlar a ação da válvula
redutora formada pelo cérebro e o filtro do ego, era também, e tão somente, um
duende de grandes suíças e olhar inamistoso.”
A
iluminação existencial pode ser tamanha que causa uma forte crise de paranóia
como bem nos conta Cohen:
“Delusional thinking has been observed, and altogheter paranoid ideias witout any insight that they are incorrect. One subject had the delusion that ‘All this is a plot, everything that is happening has been planned and staged to produce the effect on me’. No texto de Richard P. Marsh[20], é citada, dentre as várias vantagens da psicodelia a capacidade de vêr o jogo, ou seja:
“De todos os benefícios da droga, este é, sem dúvida o maior e o mais persistente. O autor (professor da universidade) lembra-se que por ocasião de sua terceira experiência lisérgica, ele encarava o médico que lhe ministrara a droga com a consciência aterradora, mas também libertadora, de que aquele homem não era mais um doutor e nem ele era um professor. O ‘professor’ e o ‘doutor’, embora corretamente diplomados, apareceram claramente como impostores. Ainda mais, esta descoberta se mostrou como extremamente libertadora e ‘refrescante’. Dois jogadores, um disfarçado no papel de doutor, o outro representando o professor, haviam despido os seus trajes e abandonado o jogo e, graças ao LSD, tinham-se sentado, confrontando-se numa atmosfera de realidade nua incondicionada. As sensações de liberdade e relaxamento eram incríveis”
“Delusional thinking has been observed, and altogheter paranoid ideias witout any insight that they are incorrect. One subject had the delusion that ‘All this is a plot, everything that is happening has been planned and staged to produce the effect on me’. No texto de Richard P. Marsh[20], é citada, dentre as várias vantagens da psicodelia a capacidade de vêr o jogo, ou seja:
“De todos os benefícios da droga, este é, sem dúvida o maior e o mais persistente. O autor (professor da universidade) lembra-se que por ocasião de sua terceira experiência lisérgica, ele encarava o médico que lhe ministrara a droga com a consciência aterradora, mas também libertadora, de que aquele homem não era mais um doutor e nem ele era um professor. O ‘professor’ e o ‘doutor’, embora corretamente diplomados, apareceram claramente como impostores. Ainda mais, esta descoberta se mostrou como extremamente libertadora e ‘refrescante’. Dois jogadores, um disfarçado no papel de doutor, o outro representando o professor, haviam despido os seus trajes e abandonado o jogo e, graças ao LSD, tinham-se sentado, confrontando-se numa atmosfera de realidade nua incondicionada. As sensações de liberdade e relaxamento eram incríveis”
Nossa
sociedade “normal” também sofre “alucinações”, mas é um fato repreendido, Raymond
Smythies já assume que a alucinação é parte de psique normal de uma criança e,
quando o indivíduo cresce, tais alucinações são suprimidas devido ao seu valor
social negativo, pelo que é conhecido pela atividade normal de uma “mente
racional”, ele pode estar correto, já em Freud, temos a asserção de que a
psicose é um sonho acordado. De modo similar, um sonho representa uma mimese
psicótica das fantasias de uma mente que está desinibida justamente porque
dorme. Estas sociedades indígenas, e esta é minha aposta, possuíam uma ética
superior, como foi explanado em sala, justamente não porque eram ingênuas, mas porque
conheciam de modo profundo o funcionamento da mente, dos desejos e medos do ser
humano de suas sociedades porque vivenciavam esta experiência psicodélica[21] que, em muitos casos foi
tratada pelos jargões psiquiátricos de “psicose”, “alucinação”, “cisão do ego”,
“aniquilação do ego”, como já argumentou Humphrey Osmon em seu texto “Sobre
Alguns Efeitos Clínicos”, e prossegue: “ O termo ‘psicomimético’ é
particularmente apropriado ao contexto, pois estes compostos químicos são
capazes de provocar estados de consciência que ‘imitam’ as doenças mentais ou
psicoses (...) Nossa ignorância é particularmente inquietante do ponto de vista
médico, mas o interesse destas drogas ultrapassa o próprio campo da medicina.
Elas encontram expressão na psicologia, na sociologia, na filosofia na arte e
até na religião” no entanto hão outros autores que discordam desta leitura
psiquiátrica, como Leary, e argumentam que não se pode usar jargões
psicanalíticos específicos para os efeitos múltiplos de uma nova ciência que
apresenta novos resultados.
É importante, pois, salientar que, enquanto o Europeu, de
modo geral, vive em um mundo morto, e sua metafísica nos lega isto: lida com um
Deus que ele não pode ver, sentir nem tocar, coisifica as coisas, acha que elas
estão mortas, é capaz de ver nelas apenas um devir mecânico, o “índio”, em
contrapartida, não só vê o seu Deus diretamente, mas também o vê nas coisas,
sente sua presença, fala com ele, o escuta, o sente, o toca, também pode ser
punido por ele, mas de um modo direto, vive em um mundo vivo, qual de nós irá
escolher qual deles é o “mais real”? É evidente, portanto, que sua metafísica e
cosmologias seriam de coisas vivas pois nascem de coisas vivas! Sua ontologia é
humanizada, até mesmo, porque seu esclarecimento (com o qual ele pretende
traçar estratégias objetivas e efetivas de sobrevivência), que brota do
mito é bastante distinto do esclarecimento europeu, sua objetividade também é
distinta.
Já nos lega Adorno, a percepção de que as categorias do
esclarecimento não só brotam, mas possuem fundamentação mítica e para lá
caminham: em seu Dialética do Esclarecimento argumenta:
“Do mesmo modo que os mitos
já levam a cabo o esclarecimento, assim também o esclarecimento fica cada vez
mais enredado, a cada passo que dá, na mitologia. Todo conteúdo ele recebe dos
mitos, para destruí-los, e ao julgá-los ele cai na orbita do próprio mito. Ele
quer se furtar ao processo do destino e da retribuição. No mito, tudo o que
acontece deve expiar uma pena pelo fato de ter acontecido. E assim continua no
esclarecimento: o fato torna-se nulo, mal acabou de acontecer. A doutrina da
igualdade entre ação e reação afirmava o poder da repetição sobre o que existe
muito tempo após os homens terem renunciado à ilusão de que pela repetição
poderiam se identificar com a realidade repetida e, assim, escapar a seu poder.
Mas quanto mais se desvanece a ilusão mágica, tanto mais inexoravelmente a
repetição, sob o titulo da submissão à lei, prende o homem naquele ciclo que,
objetualizado sob a forma da lei natural, parecia garanti-lo como sujeito
livre. O princípio da imanência, a explicação de todo acontecimento como
rejeição, que o esclarecimento defende contra a imaginação mítica, é o
princípio de próprio mito.”
O efeito comum de certas substâncias alucinógenas pode
ser a explicação para a similaridade de culturas em algumas partes do globo,
assim como para a formação de um ethos, de uma racionalidade e de uma
linguagem. E, a partir daí tem-se um axioma no qual a cultura caminha.
A
Primavera das efetividades
Apesar
de podermos compreender, por exemplo, um índio como outro, poder-se-ia contra
argumentar que jamais conseguiríamos adentrar seu entendimento de mundo, até
mesmo porque, em seu modo de vida reina um mito chamado “mito” e no nosso modo
de vida reina um mito chamado “esclarecimento”. No entanto seria possível
“esclarecer” este mito? Seríamos capazes, se nos enredarmos nos mitos antigos
indígenas, de neles nos embebedarmos, seria possível colher daí, algo?
O
que chamo de primavera das efetividades brota diretamente do que contemplamos
acima: se o esclarecimento possui sua base no mito, e para ele caminha, se a
ciência moderna brota do movimento do esclarecimento europeu, o que poderia
brotar, por exemplo do esclarecimento dos nossos mitos? Conseguiríamos, acaso
uma outra ciência, capaz de ser não somente tão efetiva quanto a atual, mas que
conseguisse cobrir planos que a atual ciência é incapaz? São possíveis
efetividades diferentes: pense na física newtoniana e na relativística: até uma
certa velocidade da luz, ambas funcionam, mas partem de ontologias distintas. O
Japão, por exemplo, apropriou-se da cultura hindu e, com sua metafísica
fantástica explodiu em conhecimento, como por exemplo a criação das artes
marciais, por último temos o exemplo da China que, apesar da primavera cultural
ainda mantém sua medicina tradicional de modo sério e respeitoso. As categorias
ocidentais corroem todas as outras com seu discurso de efetividade, fora ele
todos os seus argumentos estão calcados, no final das contas em mitos (o bem, a
não contradição, o ser, etc) se desenvolvermos nossas categorias conseguiremos
atingir outras efetividades? Conseguiremos criar uma outra revolução na ciência?
Provavelmente sim. Veja que até mesmo
para o mais medíocres dos propósitos os estudos dos mitos indígenas é
interessante. Seria possível, por exemplo, elaborar uma teoria Física para
construir nossos medíocres eletrodomésticos por meio do ahi, descrito por
Viveiros de Castro? Que meios de compreensão do universo essas outras
metafísicas podem nos dar? Que outros avanços tecnológicos delas podem brotar?
Estudar metafisica indígena é um bom investimento até mesmo para o capitalismo,
mas eles são maus investidores, não sabem disto.
Conclusão
Habilitar
algumas antigas categorias indígenas, estuda-los, criar com elas, com eles é um
objetivo nosso. É evidente que a Europa olhará com maus olhos. Que nos importa!
Se a américa realmente for para os americanos, será indígena. Com nossa
efetividade, nossas categorias. Discutir o que incomoda as categorias
tradicionais, força-las, arromba-las, amplia-las nega-las, desconhece-las é
papel do filósofo latino-americano.
É
nosso papel estudar seriamente outras formas de conhecer, outras formas de
drogas que a sobriedade, não há sobriedade assim como não há naturalidade. A vida
é marcadamente incompreensível e o homem se encontra em um universo fundamentalmente alienígena,
não há “naturalidade”. Sempre soubemos
que, como diria Wilde: “- A naturalidade não é mais do que uma pose, a pose
mais irritante que conheço – “, então podemos, com isso repensar razão,
repensar ciência e filosofia, arte e filosofia, em suma, repensar a nós mesmos.
Uma cultura tão distinta e inusitada como a dos índios não só nos ajuda mas nos
impõe semelhante desafio.
A ciência como entendemos ciência certamente acabará e
será substituída por um conhecimento mais efetivo quando ela for
antropofagicamente comida pelas outras formas de se conhecer. Se considerarmos,
no entanto, ciência não como um discurso de razão mas como pensamento, como um
discurso de sobrevivência ela também,
certamente sobreviverá, pois já se tornará uma de nós, ela será comida e
comedora. O estudo dos povos tradicionais, de outras eras e com outras formas
de atingir (ou não) a efetividade faz parte desta grande revolução.
Certamente a maneira que abordei este escrito foi
incompleta, mas de maneira geral, tentei reabilitar a metafisica indígena e
suas formas de conhecimento para que possamos, com elas, conhecer. A
emancipação, portanto não está como promessa, está como ação. Quando repensei a
categoria da História, por exemplo, vi ali uma oportunidade de começar a
rascunhar uma nova ciência, já que a antiga ( a História) é demasiadamente
Européia, precisa ser entendida como mítica, como alienígena e estranha, assim
como são as categorias indígenas e nosso empenho, então, será não em
reabilitá-la, mas em sintetizar algo novo com seus destroços juntamente com os
nossos: que ser podemos gerar com uma percepção mais elevada e menos grosseira
de temporalidade?
Com isso encerro, esperando que o leitor possa fazer algo
mais efetivo e agressivo que eu. Seguindo a perspectiva americana, a de
considerar as substâncias fonte de conhecimento, procurei refutar maneiras
‘sóbrias’ de se pensar, já que elas não existem em absoluto e defendi o nosso pensar
‘ébrio’, que cria suas categorias mas ainda assim flerta com a efetividade .Aqui
defendi que a experiência psicodélica ritual ou não, não só nos mata e cura,
elas nos projetam a outros lugares e aceleram e promovem nossa “evolução
cultural”.
Brasília, 26/07/2013,
Igor Oliveira França
[1]
Meditações sobre Filosofia Primeira , Primeira Meditação
[2] As
quatro regras do método cartesiano: “O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como
verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar
cuidadosamente a precipitação e a prevenção. E de nada incluir em meus juízos
que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito, que eu não
tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida
.
O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las.
O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir” Discurso do Método, segunda parte
O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las.
O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir” Discurso do Método, segunda parte
[3]
“Com efeito, tudo o que admiti até agora como o que há de mais verdadeiro, eu o
recebi dos sentidos ou pelos sentidos. Ora, notei que os sentidos às vezes
enganam e é prudente nunca confiar completamente nos que, seja uma vez, nos
enganaram.” Meditações sobre Filosofia Primeira , Primeira Meditação.
[4]
“Por igual razão, embora essas coisas gerais — olhos, cabeça, mãos e semelhantes
— possam ser elas também imaginárias, é preciso confessar todavia, que são pelo
menos necessariamente verdadeiras e existentes algumas outras coisas, ainda
mais simples e universais, a partir das quais são figuradas, como a partir de
cores verdadeiras, todas as imagens de coisas que estão em nosso pensamento,
quer verdadeiras, quer falsas.
Desse gênero parecem ser a natureza corporal comum e
sua extensão, bem como a figura das coisas extensas; a quantidade ou grandeza
delas e seu número; o lugar onde existem e o tempo pelo qual duram e que mede
sua duração e coisas semelhantes” Meditações Metafísicas, primeira meditação,
paragrafo 7.
[5]
Basta remeter, por exemplo a Hobbes e sua ideia fundadora de sociedade, a
guerra de todos contra todos. Ou mais metafísica ainda seria Nietzsche e sua
‘vontade de potência’ que demonstraria a incapacidade não só dele como também
da História de apresentar uma dinâmica desapegada da metafísica.
[6]
“(...) todas essas filosofias em forma de história, todas, por mais majestosas
que possam ser, fazem como se Kant nunca tivesse existido: elas tomam o tempo
por um caráter inerente às coisas em si; além disso, permanecem na região
daquilo que Kant denomina o fenômeno, por oposição à coisa em si, Platão, o
devir, o não-ser, por oposição ao ser, ao que não se modifica, enfim, os
indianos, a teia de Maya.” O Mundo Como Vontade e Representação, Livro IV- O
mundo como vontade - segundo ponto de vista,53, 3º parágrafo.
[7]
“Em nossa opinião, é estar nos antípodas da filosofia imaginar que se pode
explicar a essência do mundo com a ajuda de procedimentos da história, por mais
extremamente disfarçados que estejam; e é vício em que se cai desde que, numa teoria
da essência universal tomada em si, se introduz um devir, quer seja presente,
passado ou futuro, desde que o antes e o depois aí desempenhem um papel, seja
ele o menos importante do mundo, desde que, por consequência, se admita, aberta
ou furtivamente, no destino do mundo, um ponto inicial e um ponto terminal,
depois uma estrada que os une, e sobre a qual o indivíduo, filosofando,
descobre o lugar onde chegou. Este modo de filosofar histórico dá como produto
quase sempre alguma cosmogonia.” O Mundo Como Vontade e Representação, Livro
IV- O mundo como vontade - segundo ponto de vista,53, 3º parágrafo.
[8]
Ou, como diria Marx :“ a burguesia arrasta todas as nações, mesmo as mais
bárbaras, para a civilização”
[9] No
artigo “Sobre a Programação das Experiências Psicodélicas”
[10] O
Ritual pode ser lido como uma maneira de influir na ‘disposição’.
[11]
Para isso ler Marachimbé veio foi para apurar. Estudo sobre o castigo
simbólico, ou peia,
no culto do Santo Daime de Leandro Okamoto da Silva
[12]
Como exposto por Émile Foulange em seu texto “As Pedras Cogumelo”, também
consta em Hoffman “LSD – My Problematic
Child”.Há tais alegações no documentário “The Substance”,
[13]
Esta é a tese presente tanto no documentário já citado “The substance”, que
conta com entrevistas originais de Hoffman, filmagens raras de Leary,
laboratórios de LSD e diversos intelectuais sobre o assunto. Também esta é a
tese presente do livro de Martin A. Lee e Bruce Shlain: Acid Dreams, The
Complete Social History of LSD.
[14]
“Se nos faltam textos escritos , os afrescos e as pedras-cogumelo demonstraram
, na linguagem universal dos símbolos, uma “Ciência” esquecida, e seu
testemunho concorda com os Rig-Veda e do Avesta”.
[15]
Sobre o tema ainda há a tese bastante ousada e revolucionária de meu amigo,
Alan Tórma descrita em seu livro “Metamorfoses na Jugular Petrificada” a qual
eu concordo, ainda que em parte, que o grande responsável pela cognição e
consciência foram as experiências psicodélicas. Em uma discussão posterior com
ele, sugeri que, é possível que a linguagem e o aparato intelectual humano, em
seus primórdios, seja tão delirante ( como a filosofia védica, os pré
socráticos, os indígenas americanos) justamente porque é a tentativa de mimese,
de imitação destas experiências
psicodélicas, mas, a partir do momento que ela é mimetizada, pode ser percebida
em grupo, no capítulo posterior exporei melhor a questão de as drogas terem um
elemento que é visualizado pelo grupo — não compartilhado, mas o indivíduo
percebe a similaridade não só de comportamento, mas de associações e finalidades (pois sabemos que a psicodelia
é capaz de mudar nossa “visão de mundo”) dos outros indivíduos — de qualquer
modo, a partir do momento que as experiências psicodélicas foram sendo compartilhadas,
segundo esta minha teoria, foi possível criar não entendimentos, mas objetos
similares uns aos outros, um patamar comum para a linguagem. Para esta pesquisa
ousada, seria interessante, no futuro, unir o grau do tamanho do cérebro e o
desenvolvimento de linguagem à ocorrência de plantas, ou animais ou substâncias
psicodélicas nas áreas habitadas por
antigos grupos humanos .
No entanto, havia ainda um problema em nossa teoria:
como a linguagem e a consciência são fenômenos psicodélicos se até quem não os
viveu tem consciência E linguagem? Creio que a resposta é uma boa contribuição
à filosofia da linguagem. A linguagem não é só fruto de um processo
psicodélico, ela gera psicodelia, a linguagem é psicodélica. A psicodelia muda
nossa relação com o mundo, manipula fortemente a linguagem porque ela mesma, a
linguagem é um fenômeno psicodélico. Portanto, não há como escapar: nosso
mundo, com nossa cognição, com nossa linguagem, é uma “trip”. Infelizmente, para os moralistas, drogamos nossas crianças
desde sempre.
[16]
Em seu livro Drugs of hallucination: The LSD story
[17] O
LSD e o Peyote possuem seus princípios ativos como isômeros. Já ayahuasca já
foi descrita por algum como tendo efeitos mais pronunciados que o LSD.
Em —História da Descoberta
dos Cogumelos Alucinogenos no México— Roger Heim escreve:
“Se saturarmos de gás carbônico uma solução aquosa de
psiloscibina a fim de eliminar oxigênio do ar, e se aquecermos num tubo fechado
a 150 graus durante uma hora, a molécula por cisão hidrolítica,partir-se-á em
uma molécula de hidroxi-4-dimetiltriptamina e uma molécula de ácido fosfórico.
Albert
Hoffman já havia mostrado em 1959, juntamente com Stoll, Trouxler e Peyer, que
os isômeres de hidroxi-indol eram conhecidos por seus carcteres bem
particulares de seu espectro ultra-violeta. É assim que podemos deduzir, pela
marcha da curva de absorção da psilocina, que se trata aqui de um derivado
indolico de posição 4, e a precisa estrutura deste corpo, identificável à da
psiloscibina dephosphorylée, pode ser mostrada graças a um espécime autentico
de hidróxi-4-dimetiltriptamina obtido, aliás, por síntese. Quanto ao ácido
fosfórico, nós o precipitamos e identificamos sob a forma de sal
amoníaco-magnesiano.
Tratando,
pelo diazometano, a psiloscibina em solução metílica, Hoffman e seus
colaboradores obtiveram um composto neutro no qual entraram dois grupos
metílicos; ele é identificável ao éster metílico do sal quaternário da
psiloscibina Hofman foi auxiliado na realização da s´ntese da psiloscibina pelo
fato Tratando, pelo diazometano, a psiloscibina em solução metílica, Hoffman e
seus colaboradores obtiveram um composto neutro no qual entraram dois conforme
já o dissemos Tratando, pelo diazometano, a psiloscibina em solução metílica,
Hoffman e seus colaboradores obtiveram um composto neutro no qual entraram dois
de ter estado, anteriormente, associado à preparação por síntese do
benziloxi-4-indol; é assim que ele obteria, pelo método do cloreto oxálico, o
hidroxi-4-dimetiltriptamina, que se mostra idêntico ao produto da hisrolse da
psiloscibina defosforizada. Pela esrificação do hidroxilo fenólico deste corpo
por meio do cloreto de dibenzil e a cisão redutiva dos grupos benzinoicos,
voltamos a própria psiloscibina desfosforizada. Pela esterificação do hidroxilo
fenólico deste corpo por meio do cloreto de dibenzilfosforil e a cisão redutiva
dos grupos benzílicos, voltamos à própria psiloscibina. Espectros
infravermelhos, pontos de fusão, formas cristalinas, solubilidades, reações de
coloração, identificam-se perfeitamente aos dois corpos, natural e sintético.
Assim
sendo, os trabalhos de Hofmann e seus colaboradores tiveram como resultado pôr
em evidência a existência da primeira substância indólica fosforizada que havia
sido encontrada na natureza(...)
‘Hofmann,
aliás, estava em boa situação para insistir ainda sobre o parentesco entre a
psiloscibina e a dietilamida do ácido licergico —LSD 25 —,pois entre os
derivados indólicos naturais, somente a psiloscibina, o LSD 25 e os alcaloides
do fungo do centeio, aos quais se liga o LSD 25(...)
[18]
No texto de Émile Folange — Eles viram milhares de Deuses— temos uma
coincidência estarrecedora:
“Pedi-lhe que me contasse sua experiência.
Alguns dias após ter ingerido três cogumelos que a
Sabina me dera — disse ele — as trevas nas quais estivera imerso começaram a
perder sua opacidade e tive a impressão de estar banhado numa claridade
semelhante à pálida luz do alvorecer... De repente, num cintilar de cores
ofuscantes, vi, sobre o fundo do ceu, bem no nível do horizonte, desenhar-se um
galo enorme. O animal batia as asas e sua plumagem refletia as cores do
arco-iris. O galo cantou e seu canto repercutiu no silencio, como o som de uma
trombeta”. Figueiroa foi preciso: “Para nós, aqui, quando no começo da
experiência vemos aparecer essa ave, é um bom augúrio; pode-se ficar certo,
desde então, de que a experiência será proveitosa.”
[19]
História da descoberta dos cogumelos alucinógenos do México.Roger Heim
[20] A
significação das Drogas Mentais
[21]
Richard Marsch destaca que a experiência psicodélica, além de outros
conhecimentos, pode gerar a Consciência da sombra:
“Esta expressão Jungiana é usada por causa de seu vigor. Segundo Jung a sombra é o lado confuso e abafado da personalidade, uma antítese do lado coletivo e adaptado que se banha, por assim dizer, na luz da consciência. É a origem de uma grande parte do que é desajeitado e ‘mal’ no comportamento humano, embora, paradoxalmente, sua liberação possa proporcionar o ‘bom’. Isto acontece porque a sombra não contém apenas em si elementos destruidores e viciosos da personalidade, mas também números elementos que aparecem unicamente como perversos e demoníacos, mas que são de fato simplesmente desconhecidos, não experimentados, não aceitos. No simbolismo teológico Deus está perdido sem a cooperação ávida, para não dizer ardente, de Satanás, conforme o atestam o Gênese, o livro de jò, o relato das tentações de Jesus, o da tentação de Buda por Mara e outros textos e mitos religiosos.
“Esta expressão Jungiana é usada por causa de seu vigor. Segundo Jung a sombra é o lado confuso e abafado da personalidade, uma antítese do lado coletivo e adaptado que se banha, por assim dizer, na luz da consciência. É a origem de uma grande parte do que é desajeitado e ‘mal’ no comportamento humano, embora, paradoxalmente, sua liberação possa proporcionar o ‘bom’. Isto acontece porque a sombra não contém apenas em si elementos destruidores e viciosos da personalidade, mas também números elementos que aparecem unicamente como perversos e demoníacos, mas que são de fato simplesmente desconhecidos, não experimentados, não aceitos. No simbolismo teológico Deus está perdido sem a cooperação ávida, para não dizer ardente, de Satanás, conforme o atestam o Gênese, o livro de jò, o relato das tentações de Jesus, o da tentação de Buda por Mara e outros textos e mitos religiosos.
Sob a ação do LSD, a sombra
pode tornar-se objeto de uma liberação explosiva. Aí está realmente um dos
riscos da droga e isto é razão suficiente para que seu emprego seja controlado
e seletivo. Alguns casos registrados nos quais o LSD foi nefasto, provocando
sérias depressões, psicoses e até suicidos, são provavelmente casos onde
aparece um “problema de sombra’, ou então onde foi rejeitada uma classificação
que se empunha, ou ainda onde estavam reunidos os dois. Se a sombra for pouco
integrada ao ego e ao resto da personalidade, sua liberação - o ressurgimento
de matérias relegadas ao inconsciente – pode causar um pânico mais ou menos
irreversível, levando a desintegração da
personalidade. Por outro lado, se as expectativas do sujeito forem mal sãs, ou
se o ambiente contiver elementos ou interdições a liberação da sombra, poderá,
então, mesmo numa pessoa razoavelmente ou bem integrada, ultrapassar aquilo que
ela é capaz de suportar”