Esse blog tem por objetivo mostrar e pensar o que se está produzindo como cultura hoje, aqui do lado. E, estamos emputecidos. Por que o Brasil ainda não está entre os maiores centros intelectuais do mundo? Tradição? Falta disso, daquilo? Besteira... É falta do FAZER. Precisamos fazer em primeiro lugar, e fazer bem feito. O QUE ESTAMOS FAZENDO AGORA?
domingo, 5 de abril de 2015
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
O TERROR NA ERA DA REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA
"A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o
medo, e o mais antigo e mais forte tipo de medo é o medo do desconhecido."
H.P. Lovecraft, O Horror e o Sobrenatural na Literatura
Gelam
as veias daqueles que percebem a verdadeira natureza do horror: é que o terror
é sempre uma pequena parcela, uma pequena amostra daquilo que o Cosmos pode nos
reservar. O terror, portanto, não é propriamente a revelação inusitada daquilo
que escondemos de nós mesmos, isto, pelo contrário, é patrimônio do humor. O terror se dá apenas quando, assim
como o erotismo (que permanece erótico, sem adentrar no território da
pornografia) que mostra para esconder e insinua para inquietar a imaginação (e
por isso o erótico é morte e flerta com o terror), aparece e logo se esconde,
para que, como um vulto, chame a atenção, na escura noite da percepção.
O
terror, portanto, manifesta-se em sua natureza minimalista: o evento acontece e
se o espectador tornar-se um monomaníaco e um paranoico, precisamente por
aquele vulto, então ele estará aterrorizado. É devidamente a isso que o
humor-negro que é efetivamente engraçado sublinha a inteligência de seu
elaborador, por mais incômodo que seja, houve ainda uma dupla operação:
primeiro omitiu-se, artisticamente, a informação de difícil aceitação e, em
segundo lugar, foi dada uma pequena amostra do que se omitiu, ainda que como um
vulto. É a melhor forma de demonstrar inteligência, tornamo-nos aterrorizados e
admirados pelo autor da sagacidade.
O
humor-negro pode ser, portanto, uma maneira de ganharmos aceitação em um meio
social, suscitando, naqueles que nos desprezam, um sentimento de admiração
comparáveis a que se tem a um Deus, em um misterium tremendum, que atrai e
congela o sangue nas veias ao mesmo tempo. Há quem diga que apenas o terror isoladamente
já atrai, porque o homem também é um ser de morte e luta incessantemente contra esta sua primeira
inconveniente característica: Ser, e realiza este desprezo essencial em sonhos
e em uma admiração secreta aos inimigos mais mortais.
Por
muitos séculos os povos flertam com o terror, seja como uma maneira de
enobrecer ritos e histórias, seja para conquistar o respeito de seus inimigos. Para
Maquiavel, o governante deve escolher ser temido porque para ele é impossível
ter ambos, ser amado e temido: precisamente o grande revolucionário da política
não conseguiu ser igualmente grande na psicologia. Deus é amado e temido, o
terror é amado e temido, assim como a morte e o comediante sagaz.
Precisamente
porque o terror é tão útil a ponto de tornarmo-nos com ele e através dele,
deuses, cresce o interesse técnico em sua mais eficiente aplicação. Na
literatura, evidentemente, é discutido, por exemplo, com Alan Poe, como uma espécie
de empreitada técnico-artística: o efeito é fruto da interação do leitor com um
meio (que pode ser um livro) que, como uma máquina possui um objetivo e uma
arquitetura bem definidos. O terror é um efeito. E assim foi sendo discutido
até seu ápice, no século XX, quando se reúnem um competente time de psicólogos
e médicos com o intento de estabelecer uma teoria precisa da melhor e mais
eficiente maneira de se infligir dor, este esforço deu luz ao Kubark Manual, o
manual de tortura enviado a todas as ditaduras latino-americanas para melhor
lograrem êxito em sua empresa de controle social.
Anos mais
tarde, chegaria sua versão revisada, o Honduras Manual, uma espécie de apanhado
técnico e revisão das teorias que melhor funcionaram em sua aplicação. Tais
manuais foram revolucionários no estudo da tortura: enquanto, na maior parte da
história da humanidade, a tortura foi simplesmente a “arte” de infligir dor
(como nos relatos de Cortez, na conquista da América espanhola, que cozinhava
no óleo fervente índios vivos), com o Kubark, a tortura passa a ser adaptada a
individualidade de cada um, já que cada um possui o seu inferno particular, o
reproduziremos, então. Não apenas isto, o Kubark insere a polêmica ideia de que
muitas vezes, a melhor tortura acontece sem muito tocar na vítima. A CIA começava
a discutir, em seu quartel general, o conceito de privação dos sentidos. A privação
de sono unida com a privação dos sentidos (sem luz solar, sem horário regulares
nas ‘refeições’, sem a possibilidade de sentir o próprio corpo, em alguns
casos, até de ver outras cores, no famoso ‘quarto branco’), desmantela o ego,
porque impossibilita o estabelecimento de um eu sólido, e faz com que a fonte revele todos os segredos,
além de promover, a reboque, a lavagem cerebral.
O capítulo IX do Kubark, “O interrogatório
coercivo de fontes resistentes”, possui uma seção especial, a seção F, “ameaças
e medo” que diz, em uma tradução livre:
“A ameaça de infligir dor, por exemplo, pode desencadear medos mais danosos do que a imediata sensação de dor. De fato, a maioria das pessoas subestima sua capacidade de suportar a dor. O mesmo princípio sustenta outros temores: se mantido por tempo suficiente, um grande medo de algo vago ou desconhecido induz a regressão. No entanto a materialização do medo, a aplicação de alguma forma de punição, é uma forma de alívio. O sujeito vê que pode suportar, e se fortalece. ‘ Em geral brutalidade física direta gera apenas ressentimento, hostilidade e desafio posterior.’” O Kubark sustenta que é melhor infligir dor física no início da tortura, não no final: dá-se apenas o script para que a vítima torture a si mesma.
“A ameaça de infligir dor, por exemplo, pode desencadear medos mais danosos do que a imediata sensação de dor. De fato, a maioria das pessoas subestima sua capacidade de suportar a dor. O mesmo princípio sustenta outros temores: se mantido por tempo suficiente, um grande medo de algo vago ou desconhecido induz a regressão. No entanto a materialização do medo, a aplicação de alguma forma de punição, é uma forma de alívio. O sujeito vê que pode suportar, e se fortalece. ‘ Em geral brutalidade física direta gera apenas ressentimento, hostilidade e desafio posterior.’” O Kubark sustenta que é melhor infligir dor física no início da tortura, não no final: dá-se apenas o script para que a vítima torture a si mesma.
Este
refino técnico – científico da tortura, naturalmente, exige uma atenção
especial ao torturado, muita força energia e pessoal são gastos no processo. Uma
dominação de escala global, que necessita de um controle crescente dos que
estão sob seu julgo, necessita de uma aplicação mais barata, eficiente e que “atenda”
mais pessoas. Assim, pois, como a empresa transnacional impessoaliza seus
serviços e produtos para atender em uma escala global, também assim será com o
terror e a guerra. Os grandes estados nacionais, que possuem o mundo para
dominar, não podem se dar ao luxo de dedicar ‘atenção especial’ a todas as suas
vítimas. Nasce o terror quantitativo.
O
objetivo, agora, é demonstrar como o Estado que pretende defender seus
interesses tem capacidade para tal. Seu big-stick anônimo não escolhe vítimas,
escolhe números, e portanto atende a principal característica do terror no
início deste texto: mata grande parte de um povo, mas não diz quem mata. Revela
apenas o mínimo para o medo se desencadear. Demonstra à maneira ocidental, como
infligir dor de uma maneira geral e técnica. Esta é a versão do terror
instrumentalizado.
O Terrorista do
país subdesenvolvido, no entanto, não possui tais meios. Tem uma certa pureza, já
que ao decapitar o cidadão provindo do país opressor, ele acha que poderá ai fazer algum tipo de pressão contra a força onipresente do Capital. Ele,
diferentemente do país colonizador, ainda vê matar uma pessoa como algo grave,
e quando mostra a morte em vídeo e a cores na internet livre, não poupa teatro
para uma nação que está acostumada a ver sangue na televisão, e quer exprimir
como a força de seu ato provém de uma situação extrema, resultante da
degradação de seu povo e do povo de seu inimigo (já que agora é vítima), e que
deveria pesar para os líderes políticos. Ele demonstra o sangue da vítima, escolhe alvos como escolas, hospitais e símbolos econômicos. Quer demonstrar que a gravidade de seu terror é alta. Paradoxalmente, é este terrorista que destaca o indivíduo, e o símbolo, não alvos estratégicos para a economia, em sua maioria, visa alvos morais, símbolos da manutenção daquele modo de vida, no entanto, em sua ingenuidade não vê que a espada de seu inimigo
já denuncia seu escudo. Aquele que conduz uma morte técnica em massa,
promoverá uma reação ao ataque terrorista qualitativo igualmente técnica e
quantitativa. A máquina de matar, que é o Capital (que mata muito mais que os
terroristas qualitativos), pouco liga para o mundo da vida, a ele interessam os
números: quantas pessoas, em números absolutos reagirão em contraposição aos
seus interesses devido a aquele video? Poucas. Mas isso ainda é algo
contornável se considerarmos o aparato técnico e instrumental que ele moverá
para alterar estes números por meio da propaganda e manipulação da opinião do
cidadão médio por meio da mídia.
O minimalismo
do terror ocidental é tão gigantesco que ele deseja não mais mostrar um pouco
de horror. Ele demonstra apenas o horror em forma e furta-se do conteúdo. O
terror ocidental é mais eficiente precisamente porque está mais rente ao
conceito mesmo de terror. O oriente não conseguiu ainda desvincular o medo da
vida, a guerra do drama, o mito do “fazimento” que para o ocidente é sem
sentido e ritualístico e que no entanto é precisamente este conteúdo perdido, e
portanto esta admiração secreta daquilo que lhe falta, que o ocidente deseja
resgatar em suas vitórias de guerra quando, em suas relações públicas, diz
defender a liberdade, ao executar seu terrorismo. Longe das denominações
oficiais, o terrorismo apenas se diversificou.
Assinar:
Postagens (Atom)