ENSAIO SOBRE O FASCISMO NO “CONE
SUL”: O CASO BRASIL
Não podemos falar sobre os regimes militares do passado recente da
América Latina sem trazer à tona o tema da constituição ideológica de suas
classes dominantes e do processo histórico de formação de sua dependência ao exterior. É evidente que
cada país teve um processo de formação específico e que um trabalho isolado não
poderia abranger esse imenso material. Mas, de outro lado, grande número dos
países que fazem parte do que hoje se chama “América Latina” foram colonizados a
partir do século XV por principalmente Espanha e Portugal. Em nosso passado
recente, qual seja, da década de 60 do século XX para cá, sabe-se bem que essa
grande área foi de interesse direto da manutenção do poder hegemônico internacional
dos Estados Unidos. Mais especificamente, daremos destaque aqui ao caso do
Brasil, dentre os outros acontecimentos que se abateram na época sobre seus vizinhos
próximos, na região do chamado “Cone Sul”. Diante dos últimos parcos resultados
obtidos pela tardia instauração da Comissão Nacional da Verdade no Brasil, o
fio condutor da análise será a pergunta, em aberto, “o que significa elaborar o
passado?”, feita originalmente por Adorno na Alemanha redemocratizada dos anos
60.
A partir dessa pergunta, ensaiaremos possíveis direcionamentos indicados
pela crítica à ideologia, lançando
mão daquilo que não concerne apenas ao contexto social alemão após a derrocada
do nazismo, mas à “situação social geral” na modernidade (ADORNO, 2000, p. 33).
No caso do Brasil, e do Cone Sul, em que predominou o processo de colonização
européia durante séculos, precisaremos pontuar as especificidades do
desrespeito social e da invasão cultural inerentes às formas de dominação e opressão
que mantêm o poder oligárquico da classe burguesa (FREIRE, 2008, p. 159-160) –
em uma cotidiana relação assimétrica de reconhecimento social (HONNETH, 2015,
p. 248).
Crítica à ideologia: o que significa
elaborar o passado?
Em primeiro lugar, não é demais frisar a que postura cognitiva se refere
a crítica. Vulgarmente usada com o sentido simples de “ideário”, “ideologia” é
um neologismo que ficou conhecido a partir da publicação da obra Eléments D’Ideologie (1801-1815), de
Destutt de Tracy. Como um seguimento francês do empirismo lockeano, persegue-se
a origem das “ideias” como fenômenos naturais obtidos através da sensação. Desse
modo, as “ideias” são tomadas na acepção de “estados de consciência” do
indivíduo na interação com o ambiente ao redor. Essa posição também será levada
a cabo pelo positivismo de Auguste Comte no tratamento dos fenômenos sociais. Como
tal postura cognitiva tende a naturalizar relações sociais que são fruto de
processos históricos, o esquecimento da atividade humana situada em um contexto
de interação social gera a vivificação das coisas, das mercadorias, e a
dominação e mortificação daqueles que as produzem[1].
De maneira geral, observa-se como estratégia ideológica do fascismo a
administração de afetos sociais, sobretudo o medo e o impulso por autoconservação.
Podemos caracterizar a fundamentação inicial da filosofia social moderna a
partir de seus traços anti-aristótelicos, que são em grande medida reflexo das
transformações estruturais nos modelos tradicionais de sociedade no Ocidente
europeu, desde a baixa Idade Média até o Renascimento. O modelo secularizado de
sociedade que passa a surgir, na demanda da expansão marítima da zona comercial
e do consequente desenvolvimento técnico-científico que garante cada vez maior
eficiência no controle e fiscalização da circulação de mercadorias, foi um
modelo que rapidamente evidenciou a competição, as ambições, a suspeita entre
os indivíduos, moldados agora por um agir orientado para o sucesso pessoal. Em
consequência dessa forma de agir, disseminada e justificada socialmente,
surgiram as teses modernas acerca da perigosa “natureza” humana, tratada quase
como uma “essência”, ou do perigo de um declínio ao caótico “estado de
natureza”, a barbárie da defesa inegociável do interesse privado que
instauraria a “guerra de todos contra todos”. Frente a essa hipótese
artificial, seria preciso a coerção incessante do Estado, firmada previamente
pela via do contrato, cujo assentimento
é concedido pelos associados em troca da segurança de sua vida e de sua
propriedade particular.
Mais tarde, com a crítica efetuada a partir da dialética hegeliana, ficou
evidente que a cisão ética é uma característica imanente à organização da
sociedade civil burguesa. Esse novo modo de organização social dessacralizou o
mundo da vida humana e promoveu a impossibilidade da integração das pessoas no
âmbito de suas comunidades tradicionais. Com a ascensão do positivismo nas
ciências, os modelos mecanicista e atomista passaram da objetificação da
natureza para a análise dos fenômenos sociais e para o próprio modo de organização
da vida, operando matematicamente, do mesmo modo, apenas com quantidades e abstraindo
de qualquer “resto”: qualitativo ou temporal. Assim, na sociedade de produção
industrial, memória, tempo concreto e lembranças, bem como a experiência
acumulada socialmente, são eliminados como “resto irracional” (ADORNO, 2000, p.
33). Esse diagnóstico permite perceber porque o esquecimento do trauma coletivo recente, do horror dos assassinatos
administrativos, se deve muito mais à “situação social geral” da sociedade
civil burguesa do que à psicopatologia de um contexto sociohistórico em
particular[2].
Nesse texto publicado em 1963, “O que significa elaborar o passado?”,
reunido na obra Educação e Emancipação,
em torno de 20 anos após a derrocada do nazismo, Adorno parte da atmosfera do
trauma coletivo recentemente vivido e do, digamos assim, etéreo complexo de
culpa decorrente do acontecido. Tenhamos em mente esse intervalo de tempo, após
a artificial redemocratização, para pensarmos o problema da elaboração do
passado no caso brasileiro.
O trauma social deixa marcas em uma forma de agir cotidiana que gira em
torno de relações de culpa e violência, que aparecem por vezes de maneira muito
velada, por outras como um surto animalesco de ódio. Como pontua Adorno, essas
relações sociais se assemelham ao quadro psicopatológico da neurose: gestos de
defesa sem agressão direta; sentimentos profundos sem justificativa, mas
ausência de sentimentos em situações graves; repressão do conhecido e do
semiconhecido (ADORNO, 2000, p. 30).
De outro lado, chama atenção a disposição atual em negar ou minimizar o
ocorrido. No caso da Alemanha redemocratizada, como diz Adorno, “existem
pessoas que não se envergonham de usar um argumento como o de que teriam sido
assassinados apenas cinco milhões de judeus, e não seis” (ADORNO, 2000, p. 31),
aqui nós temos a expressão “ditabranda”. Entra em questão o absurdo de uma
contabilidade da culpa em relação aos assassinatos administrativos, de modo que
até mesmo a inocência das vítimas é desacreditada: a desmesura do mal praticado
se torna justificativa – de alguma maneira, ocorreu porque elas “deram motivo”.
O discurso do complexo de culpa dá notas de algo irreal: o terrível
passado seria coisa da imaginação dos afetados. Esse é um discurso que visa à
destruição da memória e gera a perda da continuidade histórica, o que se vê no
fato de as gerações mais jovens desconhecerem, por exemplo, o que foi e por que
aconteceu o golpe civil-militar de 1964. A partir da Segunda Guerra Mundial, é
possível observar a progressividade e intensificação dos princípios da
racionalidade burguesa, cujo modelo de sociedade administrada é subordinado
universalmente à lei de troca das mercadorias. Em sociedades tradicionais
pré-capitalistas, até o advento do mercantilismo, existia a ênfase na categoria
da aprendizagem, expressada pelo
tempo de aquisição da experiência no ofício, geralmente resguardada por uma
acumulação de saberes passados de pais e mães aos filhos. Como o tempo concreto
dos trabalhadores se torna desnecessário na produção industrial, bem como a
experiência acumulada socialmente, memória e lembranças são eliminadas como
inúteis para a contabilidade empresarial. Vemos com isso, que o esquecimento se deve majoritariamente à
organização e divisão social do trabalho, que se valem, inclusive, dos
mecanismos psicológicos de recusa a lembranças desagradáveis vividas para
objetivos práticos imediatos, como por exemplo, evitar mexer no período obscuro
para a manutenção da imagem do país no exterior. Isso onde o parâmetro era o do
trabalho assalariado livre, no nosso caso, como o Brasil se fundou como empresa
colonial de base escravista, essas características estiveram sempre presentes –
os exemplos históricos de silenciamento são inúmeros[3].
Assim, para Adorno, o esquecimento se deve muito mais à “consciência
vigilante” do que a processos inconscientes, de que decorre a raiva de ter de
convencer a si mesmo, antes de convencer os outros. A motivação e o
comportamento de recusa são irracionais obviamente porque distorcem os fatos,
mas são “racionais” porque se apoiam em tendências sociais vigentes. Vivemos em
meio à ideologia socioeconômica neoliberal, imposta laboratorialmente nas
nações proletárias da América Latina, acirrando ainda mais os princípios
básicos da sociedade civil burguesa: individualismo; concorrência mútua;
consequente administração dos afetos sociais do medo e da esperança.
A reintrodução da democracia no Brasil, após 1964, se deu como a
transição dos outros regimes de poder: pela mão das classes dominantes e para
não prejudicar os interesses da metrópole, nesse caso, dos Estados Unidos. O
interesse norte-americano na implantação dos regimes ditatoriais na América
Latina do período de auge da Guerra Fria fica ainda mais claro com a chamada
“Operação Condor” no Cone Sul – condor, o animal que come carne pútrida e
desaparece com os cadáveres. Entre as décadas de 70 e 80, essa operação se deu
através do conluio entre os regimes ditatoriais e a CIA no intuito de combate
aos grupos de resistência. No Brasil dos anos 70, no governo Geisel, surgiu a
ideia de uma transição controlada: uma abertura “lenta, gradual e segura”. Em
1974 foi elaborada a chamada “Lei de Anistia” que poderia beneficiar os presos
políticos e os exilados. Mas, foi a partir desse mesmo ano que mais opositores
tiveram seus corpos desaparecidos, isso porque não se poderia deixar provas. É
também o período em que a luta armada acaba. O caso mais emblemático desse fim
é o de Soledad Barret, torturada e assassinada pelo DOI-CODI, grávida de seu
companheiro, na verdade, um infiltrado e informante da ditadura[4].
A reintrodução da democracia aqui não provocou uma ruptura.
Principalmente porque as pessoas continuam a não se reconhecerem como sujeitos do processo político, para elas
é apenas mais um “sistema entre outros”. Isso porque a democracia não é
entendida como expressão da vontade e do intuito da emancipação popular. Como
diz Adorno, a democracia é avaliada conforme o respectivo sucesso: no qual tem vez interesses individuais, mas não como
unidade com o interesse público, situação que é dificultada pelo modo de
representatividade da vontade popular através da delegação parlamentar[5].
A falta de emancipação é convertida em ideologia, o que demonstra a contradição
na consciência: por um lado, as pessoas se sentem como sujeitos de si, mas as
condições vigentes as impedem. No caso do Brasil, essa impossibilidade é
atribuída historicamente, a si mesmo ou a outros: ou a uma incapacidade própria
da constituição dos brasileiros ou a grupos específicos. Esse impedimento faz
com que as pessoas se dividam novamente entre sujeito e objeto. A ideologia
dominante é tal que quanto mais estiverem impedidos pelas condições objetivas,
mais tomarão essa impotência como subjetiva[6].
Essas pessoas, assim formadas, são o que Adorno chama de os seguidores
potenciais do totalitarismo.
A noite de 21 anos: o fascismo no
Brasil
A partir do diagnóstico da situação que realmente gera o fascismo e os “os
seguidores potenciais do totalitarismo” (ADORNO, 2000, p. 37-38), podemos
ensaiar prognósticos, ponderando principalmente sobre o conceito do que Adorno
chama de pedagogia democrática, que
operaria no esclarecimento acerca
daquilo que ocorreu (ADORNO, 2000, p. 45). No caso do Brasil e do Cone Sul,
poderíamos ir mais fundo, evidenciando o problema da nossa dependência ao
exterior, através do desenvolvimento daquilo que Paulo Freire chama de pedagogia do oprimido, a fim de, ao
elaborar o passado, que se persiga o objetivo da transformação social efetiva
de nosso “subdesenvolvimento” através da educação para a prática da liberdade
(FREIRE, 2008, p. 89).
O fascismo não apenas no Brasil, mas na América Latina, é de um tipo
diferente e com finalidades diferentes. Isso porque a barbárie administrada
aqui se instalou, não por eventualidades do Capitalismo avançado, no século XX,
desgarradas como novo processo, mas como desdobramentos intrínsecos da
manutenção de poder da empresa colonial, desde o século XV. A forma superior do
desrespeito social perdura porque os pressupostos objetivos apenas estiveram
perto de serem transformados[7].
Esse “estar perto” deixa a velha ordem em pavor pânico, que faz com que procure
reconstituir sua rede de poder através da intensificação do aparato repressivo,
formado pelas classes intermediárias que anseiam ascensão social, e do controle
total sobre as instituições políticas.
O fascismo na Europa veio para atender a realização de um “sonho burguês
antigo”, o ideal romântico de estar integrado em uma “comunidade popular”
(ADORNO, 2000, p. 38), o que alimentou e, realmente, parece que satisfez o
narcisismo coletivo mediano. Um processo sociopolítico muito diverso do que
ocorreu na América Latina. Nossa formação sociopolítica se deu através do colonialismo, que engloba todas as formas do desrespeito social, quais sejam: a lesão física, tortura e violência
corporal[8]; a
lesão moral, recusa de direitos e
garantias pessoais; e a destruição cultural[9].
As formas de desrespeito, como estuda Honneth em sua obra Luta por Reconhecimento, são resultado da falha na formação de
reconhecimento na consciência social, em contraposição às formas: do amor, na recepção e formação da criança;
do direito, no atendimento das
reivindicações de grupos de interesses e da solidariedade,
na formação social da eticidade inclusiva. No Brasil, como mostra muito bem
Darcy Ribeiro, em sua obra magna O povo
brasileiro:
“Nunca houve aqui um conceito de povo,
englobando todos os trabalhadores e atribuindo-lhes direitos. Nem mesmo o
direito elementar de trabalhar para nutrir-se, vestir-se e morar. Essa primazia
do lucro sobre a necessidade gera um sistema econômico acionado por um ritmo
acelerado de produção do que o mercado externo dela exigia, com base numa força
de trabalho afundada no atraso, famélica, porque nenhuma atenção se dava à
produção e reprodução de suas condições de existência. Em consequência,
coexistiram sempre uma prosperidade empresarial, que às vezes chegava a ser a
maior do mundo, e uma penúria generalizada da população local. A sociedade era,
de fato, um mero conglomerado de gentes multiétnicas, oriundas da Europa, da
África ou nativos daqui mesmo, ativadas pela mais intensa mestiçagem, pelo
genocídio mais brutal na dizimação dos povos tribais e pelo etnocídio radical
na descaracterização cultural dos contingentes indígenas e africanos.”
(RIBEIRO, 1995, p. 404).
A invasão cultural, em vista da manutenção do domínio, se realiza em
torno de mitos repetidos, estruturados posteriormente pela forma positivista da
“ordem” militarista, com o objetivo do “progresso”. Mas, progresso para quem?
Obviamente que para a burguesia, que não poderia deixar de contar com o apoio
da pequena burguesia, a “lança de ferro” contra a união do povo. Verdadeiras
guerras de extermínio foram travadas, sempre com o apoio moral e material das
instituições públicas e oficiais, com o intuito messiânico-civilizador. Elas
ainda permanecem. Não foram inventadas pela ditadura. Para a classe
trabalhadora, à exceção da inédita formação nacional do movimento trabalhista,
não houve muita diferença na opressão cotidiana, nem houve espanto na
permanência ostensiva de uma polícia militar,
junção que aliás nos parece até natural. Do extermínio indígena à tortura dos
negros escravizados, dos negros alforriados à formação das favelas e
periferias: o capataz da fazenda e o capitão do mato do engenho não mudaram.
O tema acerca de “dizerem a palavra ou não terem voz”: Freire dá a máxima
atenção, na sua reinterpretação da dialética hegeliana do senhor e do escravo,
à condição de formação da consciência oprimida de ser apenas um “ser para
outro”, uma “coisa” que, enquanto tal, não é uma “pessoa” que tem direitos a
realizar-se. Os oprimidos enquanto “consciência servil” (FREIRE, 2008, p. 40) são
os que “temem a liberdade” e são assim silenciados – “No fundo, o que teme a
liberdade se refugia na segurança vital, como diria Hegel preferindo-a à
liberdade arriscada” (FREIRE, 2008, p. 24). Desse modo, introjeta-se
formativamente neles a consciência opressora, o outro que lhes aliena, como um
“hospedeiro”, que, nesse modo, age para reproduzir a rede de poder opressiva.
Esse é o caso observado nas classes intermediárias. Conferir exemplo do
“capataz” (FREIRE, 2008, p. 36). Conferir “coronel fazendeiro” x “cabra”
(RIBEIRO, 2006, p. 200).
A formação educativa, portanto, em vista da realidade objetiva da
opressão, deve ter por pedagogia, uma pedagogia libertadora (FREIRE, 2008, p.
34), na qual a relação entre educador e educando seja dialógica, ou seja, na
qual é imprescindível que o educando também se revele como educador, a
interação entre sujeito e objeto é de reconhecimento recíproco – o objeto,
livre, também faz as vezes de sujeito, consignando a relação de liberdade. Não
é o caso de se pensar em uma educação para os oprimidos, mas em uma que se faz com
eles na intenção radical de “transformação da situação concreta que gera a
opressão” (FREIRE, 2008, p. 40) através da práxis libertadora que continuamente
liberte a todos e faça surgir uma “nova” humanidade, uma humanidade
“libertando-se” (FREIRE, 2008, p. 38). O método pedagógico é a pesquisa e a
construção conjunta de um conteúdo programático obtido a partir do “tema
gerador”, aquilo que é da necessidade e interesse da situação dos
educandos-educadores, quer dizer, a partir de sua linguagem cotidiana, de sua
“palavra” (FREIRE, 2008, p. 131). O diálogo e o caráter pedagógico da revolução
(FREIRE, 2008, p. 156).
Palavras-chave:
fascismo; ditadura militar;
Brasil.
Referências bibliográficas:
ADORNO, T W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Editora
Paz e Terra, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo:
Editora Paz e Terra, 2008.
HOLANDA, Sérgio
Buarque de. Raízes do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
HONNETH, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral
dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2015.
MARX, K. O Capital. São Paulo: Editora Nova
Cultural, 1996.
RIBEIRO, D. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006.
URIBE, Armando.
"Ideologia e folclore do fascismo chileno". In: Elementos para uma análise do fascismo. M. A. Macciocchi.
[1]
Com a discussão desse tema, em O Capital,
Marx mostra a tendência do pensamento burguês de naturalização dos processos
econômicos, bem como a coisificação dos produtos do trabalho social, através da
análise do fetichismo da mercadoria: “Até que ponto uma parte dos economistas é
enganada pelo fetichismo aderido ao mundo das mercadorias ou pela aparência
objetiva das determinações sociais do trabalho demonstra, entre outras coisas, a
disputa aborrecida e insípida sobre o papel da Natureza na formação do valor de
troca. Como o valor de troca é uma maneira social específica de expressar o
trabalho empregado numa coisa, não pode conter mais matéria natural do que, por
exemplo, a cotação de câmbio.” (MARX, 1996, p. 207).
[2] “Pesquisas
feitas nos Estados Unidos revelaram que esta estrutura da personalidade não se
relaciona tanto assim com critérios econômico-políticos. Ela seria definida
muito mais por traços como pensar conforme as dimensões de poder — impotência,
paralisia e incapacidade de reagir, comportamento convencional, conformismo,
ausência de autorreflexão, enfim, ausência de aptidão à experiência.
Personalidades com tendências autoritárias identificam-se ao poder enquanto
tal, independente de seu conteúdo. No fundo dispõem só de um eu fraco,
necessitando, para se compensarem, da identificação com grandes coletivos e da
cobertura proporcionada pelos mesmos. O fato de por toda parte reencontrarmos
figuras caricatas como as representadas nos filmes sobre meninos prodígios,
isto não depende nem da perversidade do mundo como tal, nem de peculiaridades
do caráter nacional alemão, mas sim da identidade daqueles conformistas, que
possuem de antemão um vínculo com os instrumentos de qualquer estrutura de
exercício do poder, com os seguidores potenciais do totalitarismo.” (ADORNO,
2000, p. 37-38).
[3] “O
sistema econômico e político, gerando o mesmo tipo de estratificação e de
ordenação cívica, criou em cada unidade a mesma forma de hierarquização que
qualificava, face à sociedade total, as camadas dirigentes de cada variante
como componentes da mesma estrutura de poder, e as fez essencialmente
solidárias frente à ameaça comum representada pelo antagonismo das classes
oprimidas. O patronato, na função de coordenador das atividades produtivas, e o
patriciado, no exercício do papel de ordenador da vida social, puderam assim
fazer frente a todas as tendências dissociativas, preservando a unidade
nacional.” (RIBEIRO, 1995. P. 232).
[4]
Estão sendo reveladas pelas investigações e pelos julgamentos, principalmente
fora do Brasil, as atrocidades cometidas inclusive a mulheres grávidas: “Ao
hospital militar de El Campito [em
Buenos Aires] eram levadas as presas grávidas, onde eram alojadas no prédio do
Serviço de Epidemiologia, sempre vigiadas por homens armados. Apesar da
gravidez, as mulheres eram mantidas com algemas e capuz na cabeça. Os partos,
realizados por profissionais civis e militares no serviço de Ginecologia e
Obstetrícia, eram na sua maioria induzidos por cesarianas. [...]Um dos casos
mais simbólicos desse drama humano é o do jovem uruguaio Simón António Riquelo,
desaparecido com a mãe, Sara Méndez, na noite de 13 de julho de 1976, em Buenos
Aires, onde a professora vivia exilada. Pelo padrão paranoico da repressão, o
jovem era um perigoso comunista, apesar de seus tenros 22 dias de vida: Simón
era um bebê, e foi arrebatado do peito da mãe pelo major de artilharia uruguaio
José Nino Gavazzo, chefe de operações do SID, o temido Serviço de Informações
de Defesa da ditadura de Montevidéu. [...]
Apartada do filho, Sara, encapuzada e algemada pelas costas, foi suspensa por
um gancho como um pedaço de carne no açougue. Levou choques elétricos, que
ganhavam intensidade quando ela conseguia tocar o chão molhado com a ponta dos
pés. Em dado momento, um dos torturadores perguntou a Gavazzo porque o chão
estava esbranquiçado. — Es leche! —
foi a resposta. Leite que vazava do seio de Sara, leite negado a Simón,
expropriado por Gavazzo, usurpado pela Orletti, sequestrado pela Condor.” In:
“Operação Condor condenada: História na Argentina, vergonha no Brasil”.
Publicada em 10/06/2016.
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Operacao-Condor-condenada-Historia-na-Argentina-vergonha-no-Brasil/4/36266
[5]
“Na Alemanha, ouviremos com frequência dos próprios alemães a estranha
afirmativa de que eles ainda não estão maduros para a democracia. A própria
falta de emancipação é convertida em ideologia, tal como o faz a juventude que,
surpreendida em qualquer ato de violência, procura se livrar apelando à sua
condição de teenager adolescente. O
grotesco numa tal argumentação revela uma flagrante contradição na consciência.
As pessoas que nestes termos procuram demonstrar com franqueza a sua própria
ingenuidade e imaturidade política sentem-se, por um lado, como sendo sujeitos
políticos, aos quais caberia determinar seu próprio destino bem como organizar
a sociedade. Mas deparam-se, por outro lado, com as sólidas barreiras impostas
pelas condições vigentes. Como não podem romper essas barreiras mediante o
pensamento, acabam atribuindo a si mesmos, ou aos adultos, ou aos outros, esta
impossibilidade real que lhes é imposta.” (ADORNO, 2000, p. 35-36).
[6]
“Conforme o ditado de que tudo depende unicamente das pessoas, atribuem às
pessoas tudo o que depende das condições objetivas, de tal modo que as
condições existentes permanecem intocadas. Na linguagem da filosofia poderíamos
dizer que na estranheza do povo em relação à democracia se reflete a alienação
da sociedade em relação a si mesma.” (ADORNO, 2000, p. 36).
[7] Cf.
RIBEIRO, p. 301-302.
[8] “A
mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de
torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e
classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira
predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhe caem às mãos.
Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para
conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária.” (RIBEIRO, 2006, p.
108).
[9]
Diante dos estudos de Sartre sobre o tema, diz: “O colonialismo é entendido
aqui como um estado social que deforma as relações intersubjetivas do
reconhecimento mútuo, de maneira que os grupos implicados são prensados
igualmente num esquema comportamental quase neurótico: enquanto os colonizadores
só podem elaborar com cinismo ou com agressão intensificada o desprezo que
sentem por si mesmos, já que degradam sistematicamente os nativos, os
colonizados somente são capazes de suportar as ‘ofensas diárias’ através da
cisão de seu comportamento nas duas partes constituídas por uma transgressão
ritual e uma superadaptação habitual.” (HONNETH, 2015, p. 248).
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